https://valor.globo.com/financas/coluna – 11/11/2025.
Por Marco Antonio Caruso e Gilmar Lima e Henrique Danyi (*)
Novo modelo contábil trazido pela Resolução CMN 4.966 pode, ao longo do tempo, tornar sistema financeiro mais sensível ao ciclo da Selic.
Nos últimos anos, tornou-se recorrente afirmar que a política monetária brasileira perdeu parte de sua potência. Os analistas repetem que os “canais de transmissão estão entupidos” e apresentam um leque de razões: um mercado de capitais mais desenvolvido, que permite às empresas captar recursos diretamente e reduz sua dependência dos bancos; a persistência de linhas de crédito direcionado, que criam assimetrias e amortecem o impacto da Selic; e, sobretudo, uma política fiscal expansionista, que sustenta a demanda agregada mesmo quando a taxa básica se mantém em patamares elevados. Esse diagnóstico, à primeira vista, sugeriria que o Banco Central perdeu parte de sua capacidade de influenciar as condições financeiras e de ancorar expectativas de inflação.
Contudo, um elemento recente e ainda pouco explorado desafia essa leitura: a Resolução CMN 4.966/2021, em vigor desde janeiro de 2025. A norma redefine a forma de constituição de provisões de crédito e aproxima o sistema bancário brasileiro dos padrões internacionais IFRS 9. Sua principal inovação é substituir a abordagem de “perda incorrida” (“incurred credit losses”) pela de “perda esperada” (“expected credit losses”). Essa mudança obriga as instituições financeiras a projetar cenários macroeconômicos base e alternativos e a ajustar de maneira prospectiva seus níveis de provisão e estratégias de hedge, internalizando expectativas sobre crescimento, emprego e inadimplência.
Sob a lógica anterior, os bancos reforçavam seus “colchões” de perda quando a deterioração já estava contratada, o que criava um atraso entre a decisão de política monetária e a retração efetiva do crédito. Agora, choques na Selic que afetam as perspectivas para a atividade econômica passam a influenciar antecipadamente as decisões de concessão. Diante da maior perda esperada, as instituições financeiras aumentam preventivamente o estoque de provisão, o que implica redução do capital disponível para novos empréstimos e aumento do custo do crédito, ampliando a sensibilidade das taxas finais à “policy rate”. A comunicação do BC também ganha peso: quando o comitê sinaliza um ciclo crível de aperto prolongado, o simples ajuste de expectativas já pode induzir maior cautela na originação de crédito, antes mesmo de perdas efetivas.
A implementação de uma parte relevante das novas regras contábeis é gradual, conforme as Resoluções CMN 5.199/2024 e BCB 448/2024, com transição prevista até 2028. Nesse período, o impacto negativo no capital regulatório decorrente da adoção do modelo de provisões do IFRS 9 será reduzido progressivamente: de 75% em 2025 para zero em 2028. Embora ainda em fase inicial, o novo modelo contábil pode, ao longo do tempo, tornar o sistema financeiro mais sensível ao ciclo da Selic, ampliando a potência da política monetária. No entanto, esse efeito dependerá da adaptação das instituições e da evolução do mercado de crédito.
Naturalmente, a resolução 4.966 não elimina todos os obstáculos. O crédito direcionado continua a amortecer parte do aperto, e a política fiscal expansionista segue atuando como contrapeso relevante, especialmente diante das incertezas sobre o equilíbrio das contas públicas e da trajetória da dívida. Ainda assim, trata-se de uma inovação institucional que ajuda a reequilibrar o jogo e merece destaque no debate. É importante reconhecer que, ao menos no sistema bancário, a política monetária pode ter ganhado uma nova camada de tração e previsibilidade.
O alcance da Selic, afinal, não é fixo nem imutável. Ele se redefine à medida que instituições, regras e expectativas evoluem. A Resolução 4.966 é um exemplo concreto de como mudanças regulatórias bem desenhadas podem ampliar a eficácia da política monetária no Brasil, lembrando que a sua potência depende não apenas do nível da taxa, mas também do arcabouço institucional que molda a reação dos agentes econômicos e financeiros.
(*) Marco Antonio Caruso é economista do Santander Brasil
(*) Gilmar Lima é economista do Santander Brasil
(*) Henrique Danyi é economista do Santander Brasil
E-mail: marco.caruso@santander.com.br
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