https://valor.globo.com/legislacao/fio-da-meada – 04/02/2021.
Por Edison Fernandes – Professor doutor da FEA-USP, do CEU-IICS Escola de Direito e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
O impacto financeiro de créditos tributários em 2020 foi tamanho que chamou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários.
Com o Ofício-Circular CVM/SNC/SEP nº 1/2021, a matéria tributária entra definitivamente na pauta da governança corporativa.
Em parte por causa da pandemia e em parte em razão do seguimento de relevantes temas tributários no Poder Judiciário, o ano de 2020 viu créditos fiscais proliferarem nas demonstrações financeiras das companhias brasileiras.
Dois desses temas foram (e são) bastante relevantes: o conceito de insumos para efeito de crédito de PIS/Cofins, no regime não cumulativo, dado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a exclusão do ICMS da base de cálculo das mesmas contribuições PIS/Cofins, determinada pelo Supremo Tribunal Federal ( STF) em 2017, com repercussão individual para diversas companhias em 2019 e 2020. O impacto financeiro de ambos foi tamanho que chamou a atenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
É habitual que a CVM, no início de cada ano, divulgue ofício-circular orientando o encerramento das demonstrações contábeis referentes ao ano anterior. Neste ano de 2021, o órgão regulador do mercado de capitais incluiu posicionamento sobre o tratamento contábil dos dois temas tributários citados anteriormente. Deve ser ressaltado que a própria CVM reconhece expressamente que não tem competência para discutir o conteúdo tributário em si, portanto, limita-se à regulamentar o reconhecimento e a mensuração dos créditos fiscais nas demonstrações financeiras das empresas.
As observações inscritas no Ofício-Circular CVM/SNC/SEP nº 1/2021 sobre as duas matérias tributárias são tão ricas que merecem artigos específicos (que virão oportunamente). No presente artigo introdutório do assunto, a percepção geral é que os temas tributários entraram definitivamente na pauta da governança corporativa, demandando, talvez como nunca antes tenha ocorrido, a integração entre as áreas jurídica, tributária, contábil e fiscal das companhias entre si e com os órgãos de gestão e controle, a saber: diretoria executiva, conselho de administração, comitê de auditoria e conselho fiscal.
Como prova disso, vale ressaltar as preocupações e as linhas gerais da posição exaradas pela CVM no contexto de incerteza tributária, resumidas em três pontos:
(i) Risco de informações enganosas nas demonstrações contábeis;
(ii) Possibilidade de distribuição de dividendos baseados em créditos fiscais não definitivos ou calculados de maneira confiável;
(iii) Possibilidade de remuneração dos administradores nos mesmos créditos fiscais.
Inicial e principalmente, o melhor remédio para os riscos gerados pela incerteza tributária é a transparência, vale dizer, a CVM orienta para a avaliação do risco a que a companhia foi submetida e para a divulgação em nota explicativa, de modo amplo e inequívoco, todas as premissas que subsidiaram a decisão da administração sobre o reconhecimento dos créditos fiscais, inclusive quando à confiabilidade da apuração do valor envolvido.
Como mencionado, no fechamento das demonstrações contábeis relativas ao exercício de 2020, os especialistas tributários da companhia terão certamente lugar nos fóruns de decisão.