valor.globo.com – 30/01/2020.
Por Joice Bacelo – De Brasília.
Banco BMG, em processos diferentes, obteve decisões opostas sobre o assunto.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) emitiu, em menos de um mês, duas decisões divergentes sobre uma mesma operação realizada pelo Banco BMG. Trata-se de discussão sobre o cálculo do PIS e da Cofins. Em um dos processos, o banco obteve autorização para deduzir prejuízos causados pela inadimplência de clientes do cálculo das contribuições – o que reduziu a tributação – e, no outro, a prática foi vetada.
A operação tratada nos processos envolve a venda de ativos financeiros do banco para o mercado. Quando um cliente toma um empréstimo e não paga, a instituição financeira pode vender ou transferir esse crédito ao mercado – o que geralmente é feito por valores menores.
O cliente deve R$ 500, por exemplo, mas o mercado, ao comprar o crédito, paga R$ 200 porque terá que fazer a cobrança e há o risco de não receber. O banco, nessa hipótese, teria acumulado prejuízo de R$ 300. Os descontos, nessas operações, variam conforme a chance de recuperação do crédito.
O BMG usou esse prejuízo – decorrente da transferência ou venda do ativo ao mercado – no cálculo do PIS e da Cofins. A Receita Federal entendeu que tal prática não está prevista em lei e aplicou o auto de infração, cobrando as contribuições com base no valor cheio.
Esse tema é novo no Carf. Há notícias até agora, segundo advogados, somente dos dois casos envolvendo o Banco BMG. Especialistas acreditam, no entanto, tratar-se de uma “discussão crescente”. Praticamente todas as financeiras, afirmam, adotam a mesma prática. Inclusive empresas do varejo que têm autorização para emitir cartões e parcelar as compras dos clientes.
A discussão no Carf se dá em torno da Lei nº 9.718, de 1998. A norma – específica para bancos e financeiras – dispõe sobre as hipóteses em que pode ocorrer a redução da base do cálculo do PIS e da Cofins. E não há referência, de forma expressa, aos prejuízos decorrentes da venda ou transferência dos créditos inadimplidos ao mercado.
Esse é o ponto central da divergência entre as duas decisões do Banco BMG proferidas no Carf. O que diferencia os processos são as datas de apuração do PIS e da Cofins. Em um deles, a autuação da Receita refere-se ao período de maio de 2011 a dezembro de 2012 e no outro compreende janeiro de 2013 a dezembro de 2014.
O primeiro julgamento, no dia 25 de setembro, ocorreu na 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção. Os conselheiros negaram ao banco a possibilidade de deduzir tais valores do cálculo das contribuições por entender que não há previsão na lei (processo nº 16327.721113/2017-56).
Já o segundo, em 22 de outubro, foi na 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção. Os conselheiros entenderam que a operação realizada pelo Banco BMG pode ser interpretada como despesa decorrente de intermediação financeira – que consta entre as hipóteses previstas no artigo 3º da Lei nº 9.718.
Para chegar a este entendimento, favorável ao contribuinte, os conselheiros levaram em conta o Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (Cosif), do Banco Central, que deve obrigatoriamente ser utilizado pelas instituições. O documento, no capítulo dois, trata das contas que integram o plano contábil e suas respectivas funções.
Dentre as elencadas há uma específica sobre os “prejuízos em operações de venda ou de transferência de ativos financeiros” – descrita na norma como “despesa operacional”. Por esse motivo os conselheiros entenderam que a operação pode ser enquadrada dentre as hipóteses previstas no artigo 3º da Lei nº 9.718 (processo nº 16327.720353/2016-52).
O tema será levado à Câmara Superior, última instância do Carf. Tanto a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) como o BMG informaram à reportagem, por meio de suas assessorias, que apresentaram recurso contra as decisões desfavoráveis.
A PGFN informou entender que “os prejuízos sofridos pelos bancos nesse tipo de operação não se enquadram no conceito de despesas incorridas nas operações de intermediação financeira”. Já o Banco BMG afirmou que “a existência de decisões divergentes sobre o mesmo assunto contribui para a judicialização de matérias que poderiam ser resolvidas no próprio Carf, o que é prejudicial tanto para os contribuintes quanto para a Fazenda Nacional”.
Especialista na área, o advogado Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, alerta que essa situação é diferente das provisões – quando há inadimplência e o banco faz a reserva de tais valores. As provisões, em geral, não podem ser deduzidas do cálculo do PIS e Cofins porque há o entendimento de se tratarem de “perdas estimadas”. O cliente, nesse caso, poderia procurar o banco ou ser procurado e quitar a dívida.
Há discussão, no entanto, afirma o advogado, com relação à Provisão para Créditos de Liquidação Duvidosa (PCLD). Nesses casos, por uma regra do Banco Central, a instituição financeira precisa provisionar 100% da dívida se o cliente não pagar o que deve por mais de 180 dias.
“Mas as duas situações, que envolvem as provisões, são diferentes de quando há transferência de ativo ao mercado. Estamos tratando aqui de uma etapa posterior”, diz. “Aqui não há mais chances de o banco receber os valores. A perda não é estimada. É definitiva.”