Por Mário Mesquita – Valor – 27/11/2014 às 05h00.
Se há um consenso entre os economistas brasileiros, percorrendo todo o espectro ideológico, é que a taxa de câmbio está fora do lugar e que o dólar tende a ficar mais caro com o tempo.
É sabido que a melhor projeção para a taxa de câmbio amanhã é a taxa de câmbio hoje. Sabe-se também que os modelos de projeção de taxa de câmbio de curto prazo não costumam funcionar muito bem. Por outro lado, conceitos de equilíbrio de taxa de câmbio de médio prazo têm sua utilidade, pois geralmente apontam para onde as moedas vão caminhar ao longo do tempo.
No caso do real, os diferentes conceitos apontam para uma depreciação, além do diferencial de inflação, frente ao dólar. O timing desse movimento pode ser influenciado por desenvolvimentos conjunturais, como ações de política monetária aqui e no exterior, mas a tendência, não.
Um ajuste cambial vai requerer política monetária restritiva, a menos que se faça um ajuste fiscal extremo
Existem diversos conceitos de câmbio de equilíbrio, mas em linhas gerais podemos falar em duas escolas. Uma, que se refere a tendências de médio prazo, enxerga a taxa de câmbio de equilíbrio como aquele patamar que traz o resultado em conta corrente para um nível sustentável. A lógica é que as economias têm patamares sustentáveis de posição externa líquida, e quando a moeda está sobrevalorizada o passivo externo líquido sobe acima desse patamar, e o inverso ocorre quando há subvalorização.
Sob esse conceito, um dos principais determinantes da taxa de equilíbrio é a relação entre os preços de exportação e os de importação, ou termos de troca. Quando os termos de troca pioram de forma consistente, o que tem acontecido com o Brasil nos últimos meses, a taxa de câmbio real de equilíbrio, todo o resto ficando igual, tende a depreciar – se a taxa de câmbio nominal vai acompanhar ou não é outra estória, mas a tendência estará definida. Segundo dados da Funcex, os termos de troca caíram 13% entre o máximo da série, observado em setembro de 2011, e setembro passado, mas ainda estão quase 22% acima da média histórica (calculada a partir de janeiro de 1978).
Levando em conta a tendência dos termos de troca, bem como outros fundamentos, os economistas do Brasil Plural estimam que a taxa de câmbio deveria estar próxima a três reais (R$ 2,95 para ser preciso) para promover um ajuste do déficit em conta corrente compatível com os fundamentos da economia (como por exemplo o resultado fiscal, a taxa de investimento e o PIB per capita) no espaço de um ano.
Um outro conceito, associado à teoria quantitativa da moeda, é o de paridade de poder de compra (PPC). Segundo esse conceito, que vale para o longo prazo, a taxa de câmbio real seria uma variável estacionária, isto é, que exibiria a propriedade de voltar para a média secular. Uma forma relativamente simples de estimar qual seria a taxa nominal de equilíbrio é simplesmente calcular qual seria a depreciação nominal, partindo do momento atual, para, todo o resto constante, trazer a taxa de câmbio real para a média histórica. Esses cálculos são, obviamente, sensíveis à escolha de amostra e índices de inflação, mas o mais razoável é incluir índices amplos, como os de preços ao consumidor, ainda que esses incluam itens não comercializáveis.
Usando este método, e partindo do trimestre encerrado em setembro, concluímos que a depreciação instantânea para trazer a taxa de câmbio real para a média histórica, considerando-se uma amostra de 1999 a 2014, seria de 15%, o que levaria a taxa nominal para R$ 2,7.
Cabe ressaltar que o ajuste ocorre por meio da taxa de câmbio real, que tende a depreciar em reação à sobrevalorização, e a apreciar no caso inverso. A taxa de câmbio real, ao contrário da nominal e independentemente do regime cambial, é sempre flutuante. A sobrevalorização é corrigida por uma combinação de depreciação nominal e/ou inflação doméstica inferior à externa, ao passo que a subvalorização é resolvida pela combinação de apreciação nominal e inflação excessiva frente aos parceiros comerciais. É claro que uma depreciação cambial que simplesmente reflita o diferencial entre a inflação doméstica e a externa não altera a taxa de câmbio real e portanto não corrige um problema inicial de sobrevalorização.
O impacto, em termos de inflação, do ajuste cambial vai depender essencialmente da postura da política monetária, dadas certas condições de contorno. Cabe notar que, como a inflação já está no limite do amplo intervalo de tolerância em torno da meta, a capacidade de acomodação de choques adicionais é limitada, se é que existe. Nesse contexto, um ajuste cambial irá requerer a adoção de uma política monetária mais restritiva, a menos que o governo, contrariando sinais iniciais, resolva fazer um ajuste fiscal extremo.
A alternativa seria um ciclo relativamente rápido de depreciação nominal seguida de aceleração inflacionária, deixando, ao final do mesmo, a taxa de câmbio real inalterada. Nesse contexto, graças à piora das expectativas e ao recrudescimento da indexação, ficaríamos com uma inflação persistentemente mais elevada – estamos assistindo tal ciclo na Argentina atualmente, e assistimos várias vezes no Brasil do período pré-real. Resumindo: ajuste sem custo é um não-ajuste.
Mário Mesquita, economista, é sócio do banco Brasil Plural. Foi diretor de Estudos Especiais e depois diretor de Política Econômica do Banco Central. Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras.