https://valor.globo.com/legislacao/coluna – 18/06/2024.
Por Isabela Zumstein Guido e Luiza Fernandes de Andrade*
Nos últimos anos, grande avanço tecnológico alterou profundamente a criação, a proteção e o gerenciamento dos direitos de propriedade intelectual no mundo.
A Lei de Propriedade Industrial completou, em 14 de maio de 2024, 28 anos desde a sua publicação e, desde então, enfrentou uma série de desafios que impactaram diretamente sua aplicação, sendo necessário recorrer à interpretação pelos operadores do direito para que os limites tradicionais da proteção da propriedade intelectual acompanhassem a rápida evolução tecnológica e as grandes transformações no cenário tecnológico, demonstrando a sua forte capacidade de adaptação. Essa adaptabilidade continua sendo evidente nos dias atuais.
Nos últimos anos, tal grande avanço tecnológico alterou profundamente a criação, a proteção e o gerenciamento dos direitos de propriedade intelectual em todo o mundo, principalmente com a ascensão de mecanismos blockchain, que trouxe maior rastreabilidade e transparência para os mecanismos de proteção dos direitos, além das facilidades de automação das transações.
A inteligência artificial e o desenvolvimento da realidade virtual também trouxeram novos desafios – e também oportunidades – para a legislação referente à propriedade intelectual e industrial, pois levantaram discussões importantes, tais como: como seria protegida a autoria de suas criações, se não são obras desenvolvidas por pessoas e sim por algoritmos de inteligência artificial? Se estas gerarem criações patenteáveis, o meio de tutela seria o mesmo conferido para aquelas que não incluem máquinas e algoritmos em seu processo criativo? Como o direito garantirá a autenticidade de ativos digitais no blockchain e a proteção de conteúdos em ambientes de realidade virtual?
Algumas correntes divergentes emergem nesse cenário: de um lado, a possibilidade da proteção sui generis dessas criações e a possibilidade de enquadramento em algum dos institutos legais já existentes, e, de outro, a criação de um novo meio de tutela, diferente daqueles já existentes na legislação, para resguardar estas figuras.
Vale mencionar que a proteção sui generis é uma realidade no direito de propriedade intelectual, que engloba aquelas modalidades que são protegidas em si mesmas, ou seja, que não poderão ter a sua autoria alegada por terceiros ou seus direitos infringidos, contudo não possuem uma modalidade legal específica na qual se encaixam.
A criação de novas modalidades legais para se adequar às novas necessidades é função específica do legislador e que representa um grande desafio ao mundo jurídico, pois muitas vezes o ritmo acelerado da inovação tecnológica supera a capacidade de adaptação e alteração do direito pelos legisladores, o que traz lacunas e incertezas acerca da aplicação legal às novas formas tecnológicas.
O desafio, nesse cenário, é garantir que os impactos das lacunas legislativas sejam minimizados pelos demais operadores do direito, responsáveis pela adequação dos institutos jurídicos já existentes às novas formas de criação, principalmente por meio do exercício de suas funções jurisdicionais de analisar a legislação e adaptar as suas interpretações, de forma a aplicar algum instituto já previsto ao caso concreto.
Ainda, cabe a esses operadores do direito estarem em constante contato com as novas tecnologias a serem desenvolvidas, de modo a conhecê-las e melhor avaliar os impactos e desafios à proteção à propriedade intelectual. Por exemplo, é possível identificar como a tecnologia blockchain pode representar uma revolução na autenticação e rastreabilidade de obras inseridas na esfera digital, ao gerar uma cadeia de informações transparente e inalterável. Assim, conhecer e utilizar uma ferramenta blockchain atrelada a estes direitos pode garantir que seja possível rastrear todas as suas utilizações por terceiros, sendo uma forma de comprovar o uso destas em períodos de tempo determinados ou de comprovar a autenticidade de determinada utilização, inclusive sendo um aliado para rastrear o uso indevido dos ativos protegidos.
Dessa forma, é notório que o progresso tecnológico tem mudado o panorama da propriedade intelectual e industrial, demandando uma abordagem adaptativa e inovadora por parte de advogados, legisladores, criadores de conteúdo e outros profissionais do direito e de outras áreas de atuação. Isto pois, com novas modalidades de criações, sejam ou não frutos do intelecto humano, gera também a necessidade de enquadramento nos tipos de proteção hoje existentes, ou a criação de novos modelos de tutela.
O avanço tecnológico tem desafiado continuamente a aplicação da lei de propriedade intelectual, demandando uma abordagem flexível e inovadora por parte dos profissionais envolvidos, que precisam considerar tanto as mudanças já mencionadas, como o cenário econômico e social em que essas inovações estão inseridas. Nesse cenário, é crucial fomentar um ambiente propício à inovação e à criatividade, ao mesmo tempo em que se estabelecem mecanismos robustos de proteção legal.
A colaboração entre advogados, legisladores, criadores de conteúdo e especialistas em tecnologia é essencial para enfrentar os desafios atuais e futuros, construindo um panorama que estimule o progresso tecnológico e assegure o respeito pelos direitos de propriedade intelectual.
*Isabela Zumstein Guido e Luiza Fernandes de Andrade Ramos de Oliveira são, respectivamente, advogada especialista da área contratual e imobiliária e trainee da área de propriedade intelectual do escritório Finocchio & Ustra Sociedade de Advogados.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações