https://www.conjur.com.br/ – 21/08/2025
Por José Andrés Lopes da Costa (*)
A discussão sobre a inclusão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) na base de cálculo do ICMS, do ISS e do IPI durante o período de transição da reforma tributária expõe um risco grave de retrocesso. Não se trata de preservar o que já existia, mas de ampliar de forma inédita a base desses tributos para abarcar valores que nunca fizeram parte dela, simplesmente porque IBS e CBS não existiam no sistema anterior. O resultado é aumento real da carga tributária sobre o contribuinte.
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O primeiro ponto a ser considerado é a violação do princípio da legalidade. A Constituição, no artigo 150, inciso I, proíbe a exigência ou a majoração de tributo sem lei que o estabeleça. Não há norma expressa autorizando a inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo de ICMS, ISS e IPI. O silêncio da Emenda Constitucional 132 e da Lei Complementar 214 não é autorização implícita. Em matéria tributária, ausência de previsão legal significa ausência de hipótese de incidência. Criar ou ampliar tributo por interpretação extensiva contraria o princípio da legalidade e abre espaço para insegurança jurídica.
O segundo ponto é que essa medida representaria um aumento disfarçado de tributo. Não é a manutenção de uma regra pré-existente. É a inserção de novos elementos na base de cálculo, inflando a arrecadação de ICMS, ISS e IPI acima do que ocorreria apenas com a redução gradual das alíquotas previstas na transição. Isso configura majoração tributária e exige lei específica e respeito às anterioridades anual e nonagesimal.
O terceiro ponto é a incompatibilidade com os princípios que inspiraram a reforma. A EC 132 consagrou simplicidade, transparência, não cumulatividade e neutralidade econômica como fundamentos do novo modelo. A inclusão de tributo sobre tributo perpetua a cascata, obscurece a formação do preço final e onera cadeias produtivas de forma desproporcional. Não há transparência quando o contribuinte paga mais sem perceber que está sendo tributado sobre um tributo.
O quarto ponto é a quebra da segurança jurídica e da confiança legítima. A transição foi desenhada para ser gradual e previsível. Alterar a base de cálculo no meio do caminho, em tributos que estão sendo extintos, frustra a expectativa de estabilidade e fere um princípio implícito no artigo 5º da Constituição e reforçado no próprio texto da reforma. Interpretações inovadoras que aumentem a carga sem amparo legal claro são incompatíveis com esse princípio.
Perda de arrecadação e neutralidade na transição
O quinto ponto é que a perda de arrecadação não justifica violar a Constituição. O argumento de que excluir IBS e CBS da base reduziria receitas de estados e municípios é de natureza política e orçamentária, não jurídica. Eventual desequilíbrio fiscal deve ser resolvido no âmbito do pacto federativo, com mecanismos de compensação ou revisão de alíquotas previstos em lei, e não por aumento disfarçado de carga sobre o contribuinte. Neutralidade arrecadatória não é licença para práticas que a própria reforma foi criada para abolir.
Por fim, o discurso da neutralidade na transição precisa ser confrontado. É verdade que o sistema anterior tinha tributo sobre tributo, mas a transição não foi concebida para transplantar essa distorção ao novo modelo. O objetivo declarado era eliminá-la. Incluir IBS e CBS na base dos tributos antigos cria um efeito cascata que o sistema de destino, ao final da transição, não terá. Isso não seria neutralidade, mas sim retrocesso em direção a um sistema obsoleto que a própria reforma tributária buscou eliminar.
O Supremo Tribunal Federal já deixou claro em diversas decisões que a base de cálculo de um tributo deve refletir a materialidade do seu fato gerador. Incluir valores estranhos a essa materialidade, como outros tributos, infla artificialmente a base e aumenta a carga sem respaldo constitucional, exigindo lei específica e respeito ao princípio da anterioridade. A corte também reconhece que essa prática compromete a transparência, contraria a não cumulatividade e mascara o peso real do sistema, justamente o oposto do que se espera de uma reforma que prometeu simplificação.
Incluir IBS e CBS na base de ICMS, ISS e IPI durante a transição é, portanto, criar tributo por presunção, aumentar carga sem lei, violar princípios constitucionais e trair o espírito da reforma. Perda de arrecadação é problema de gestão pública, não justificativa para impor ao contribuinte um custo que a Constituição não autoriza.
(*) José Andrés Lopes da Costa é professor da pós de Direito Tributário Internacional da FGV e sócio do DCLC Advogados.