https://valor.globo.com/legislacao/coluna – 17/10/2023.
Por Marcela Aparecida Silva Fávero, Mariana Barbosa de Faria e Wagner Inácio Freitas Dias *
Um sistema contábil e fiscal em plena conformidade afastará o fantasma da autuação enquanto impede recolhimento que fará falta nos cofres da empresa.
O tema recuperação tributária já se tornou mote de grande importância para o dia a dia das empresas. É uma medida necessária, amparada pela legislação brasileira e que a Receita Federal tanto reconhece, que criou uma instrução normativa sobre restituição, compensação, ressarcimento e reembolso, no âmbito da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil. É a IN RFB nº 2055/2021, que revogou a IN RFB nº 1717/2017, sobre o mesmo assunto.
A retomada dos valores indevidamente creditados em favor dos cofres públicos é uma importante ferramenta para a saúde financeira das empresas. Entendemos que algumas empresas que localizam oportunidades de crédito tributário ainda são arredias à recuperação de créditos pretéritos, por temor de retaliação. Existe um antigo receio de que a Receita vai fiscalizar a empresa por pura vingança, visto que terá de devolver valores ao contribuinte. Porém, isso não existe! Qualquer empresa está sujeita a uma fiscalização e a probabilidade de esta ocorrer em empresas que fazem recuperação de créditos tributários é a mesma com relação a empresas que não fazem.
Nessa linha, é possível que tenham ocorrido recolhimentos indevidos, seja faltando o que era devido, seja vertendo aos cofres públicos valor superior ao que era correto. Em todas as hipóteses há falhas que subjazem ao esqueleto funcional da empresa, possibilitando que, no futuro, seja o empreendimento autuado em razão do não recolhimento de tributo devido ou, em caso de pagamento a maior, a perda, expirada a prescrição/decadência, do valor sem chance de retomada. Toda alternativa é por demais prejudicial. 1717/2017
Portanto, uma recuperação de créditos tributários, pautada em fatos e documentos idôneos, pode e deve ser realizada. E não só a recuperação, também é de extrema importância que as empresas adotem a conformidade fiscal, ou seja, um acompanhamento técnico cotidiano das suas movimentações, contábeis e fiscais, visando não mais a recuperação, mas sim evitar o recolhimento indevido. E, aqui, iniciamos nossa jornada, partindo do que se foi para que seja possível aportar no que virá.
Os contribuintes entregam informações ao Fisco todos os dias, seja na emissão de uma nota fiscal ou na entrega das declarações acessórias, e o cruzamento desses dados é automático. É muito comum que o contribuinte tenha uma nota fiscal emitida contra ele e por algum motivo não a informe na declaração acessória, impedindo a tomada de créditos e implicando várias outras questões. Outra situação que também é muito comum é a emissão da nota fiscal sem débito do imposto. Com isso, o contribuinte recolhe um imposto menor do que realmente deveria, por um erro, muitas vezes sistêmico, na emissão da nota fiscal.
A conformidade visa eliminar esses erros e acompanhar diariamente as alterações na legislação tributária, evitando que o contribuinte pague mais ou menos do que realmente deveria, ou seja, torna sua escrituração conforme, seguindo os parâmetros legais, e mantém a saúde financeira da empresa. Enquanto a recuperação olha o passado, realinhando o que passou, a conformidade foca o presente, impedindo que a escrituração contenha vício que escaparia aos olhos do mais cauteloso contabilista, visando impedir o dano antes que ele ocorra. O papel corretivo da recuperação é suprido, no futuro, pela função preventiva da conformidade.
O perfeito alinhamento da escrituração, a conformidade, é essencial para a tomada de decisões, tanto a curto, médio quanto a longo prazo. A conformidade, assim, está ligada a diversos eventos contábeis e fiscais, como o planejamento tributário. A realização do planejamento sobre uma base incerta poderá gerar grave risco à saúde fiscal da empresa, vez que se pode acreditar em dados que, efetivamente, não reflitam a realidade. Mas não seria possível seguir para a conformidade sem passar pela recuperação de tributos? Como já antecipamos, esses processos são complementares, já que o meio-certo não é por demais diverso do totalmente errado. Logicamente, quando há erros que indiquem o recolhimento a menor, é possível que os sistemas da Receita Federal acusem a falha, gerando notificação ou autuação, para que se realize a conformidade.
Nesse universo de dados, nada obsta que o empreendedor desempenhe papel ativo, buscando o alinhamento, com máxima precisão, entre o que é devido e o que é declarado, escapando de duas situações que se desembocam em mares raivosos e prejudiciais: a tormenta do recolhimento a menor, gerando risco de apontamento de sonegação, juros e multa pesada; e o dano do recolhimento a maior, que furta do empreendimento valiosos recursos, tão escassos em um país com um dos mais caros sistemas tributários do mundo.
Equilíbrio é a resposta; eficiência é a resultante. Um sistema contábil e fiscal em plena conformidade afastará o fantasma da autuação enquanto impede recolhimento que fará falta nos cofres da empresa. A recuperação, por sua vez, alinha o que se passou para que o seguimento correto não deixe para trás valores que são preciosos para o empreendimento.
*Marcela Aparecida Silva Fávero, Mariana Barbosa de Faria e Wagner Inácio Freitas Dias são, respectivamente, contadora, auditora independente e sócia do Grupo Fiscoplan; contadora, diretora contábil da 2M Organização Contábil e sócia do Grupo Fiscoplan; e diretor jurídico do Grupo Fiscoplan, mestre em Direito e doutorando em Direito
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