https://valor.globo.com/financas/coluna – 11/12/2025
Por Fernando Torres (*)
Algumas brechas legais que viabilizaram o problema já foram fechadas; mas há outras ainda abertas, e o próprio mercado poderia ajudar BC e CVM.
Há quase dez anos tive a oportunidade de entrevistar o ex-diretor financeiro da Enron, empresa americana de energia que ficou famosa por sua fraude contábil. Ele dizia que o que “viabilizou” o escândalo na época era o uso de brechas legais em um ambiente em que executivos, auditores e reguladores precisam apenas “seguir regras” ou checar se elas estão sendo cumpridas, o que nem sempre, diz ele, equivale a “fazer a coisa certa”.
Trazendo a referência para o caso recente de liquidação do Banco Master, ainda que não houvesse fraude do lado do ativo do balanço, como apontam as investigações preliminares, uma parte do problema de liquidez ou solvência provavelmente teria ocorrido mesmo que as regras estivessem sendo cumpridas.
E como infelizmente não existe o comando legal para os agentes “fazerem a coisa certa”, é importante verificar se as brechas legais que permitiram o desequilíbrio de risco e liquidez entre passivos e ativos do banco ainda estão presentes, ou se já foram fechadas.
Um ponto que chamava a atenção nos números do Master, por exemplo, era a presença de R$ 9,3 bilhões em precatórios e “pré-precatórios” no balanço. Ainda que o crédito possa ser bom, e que o governo pague esses valores um dia, a incerteza temporal é muito grande, o que gera um descasamento com o prazo de vencimento dos CDBs.
Já em outubro de 2023 – tudo indica que por causa do Master – o BC estabeleceu uma regra exigindo uma ponderação de até 1.250% para pré-precatórios para fins de Basileia, quando os valores dos títulos superassem 10% do capital próprio da instituição. A regra só valeu para compras a partir de junho de 2023, poupando o estoque detido pelo Master. Mas impediu novas compras e, em tese, evita a repetição do caso no futuro.
Parte do problema de captação desenfreada com garantia do FGC, que também está na raiz da crise, foi igualmente atacada. Também no fim de 2023, e de novo olhando o Master, o BC limitou a captação garantida pelo FGC a 80% do total sob determinadas circunstâncias (mas com aplicação meses após a edição). Em agosto deste ano, o limite caiu mais, para 60% do total, e acabou afetando mais bancos pequenos e médios, que terão até junho de 2026 para se adequar. Se o limite imposto é suficiente (ou exigente demais), ainda não sabemos.
Um terceiro problema que claramente não foi resolvido está no uso de estruturas em cascata de fundos de investimento que dificultam a fiscalização e tornam mais opacas as operações, além de permitirem liberdade maior para remensuração de valores (às vezes indevidamente).
Certamente há quem possa dizer que o problema seria resolvido se o BC assumisse a fiscalização dos fundos, hoje formalmente debaixo da Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Mas com fundos representando cerca de um terço do balanço do Master, será que não cabia ao próprio BC verificar os ativos que davam (ou não) lastro aos valores registrados? Ou simplesmente limitar o uso desses veículos?
Segundo o Valor apurou, o BC já havia determinado ao Master pelo menos em meados de 2024 que tirasse essas operações dos fundos. Mas como os valores não foram retirados, aparentemente faltou enforcement na aplicação do comando.
A relevância dos fundos para o balanço do Master, e a incerteza sobre a mensuração dos valores contabilizados, aliás, mereceu destaque como um dos “principais assuntos de auditoria” no relatório apresentado pela KPMG, referente ao exercício de 2024. Mas já ficava a dúvida na época, e agora ainda mais, se o tema não merecia ter sido tratado em um parágrafo de ênfase ou até mesmo justificado uma ressalva.
Do lado da CVM, diante da notória falta de recursos e de equipe, somada ao modelo de supervisão baseada em risco, a fiscalização acaba priorizando fundos que carregam recursos de milhares ou milhões de cotistas, e não fundos exclusivos de cotista único, como é o caso dos veículos do Master. Mas também fica um sinal de que o sistema atual não está funcionando a contento.
E se mais uma vez se nota que nem o BC e nem a CVM têm recursos (financeiros, físicos e tecnológicos) para fiscalizar tudo tão de perto, por que não aumentar a transparência e contar com a ajuda de mercado para complementar essa “regulação natural” do sistema?
Afinal, a maioria das pessoas físicas que comprava CDBs do Master não tinha ideia do nível de qualidade e liquidez dos ativos do banco. Mas quando o banco precisou diversificar a captação, alguns investidores institucionais, como a Caixa Asset, viram sinais amarelos.
E isso ajudou a jogar luz sobre o problema que outros agentes de mercado já notavam, mesmo com muito menos informações disponíveis sobre os bancos do que existem hoje sobre companhias abertas reguladas pela CVM, por exemplo.
Além de balanços mais frequentes, as companhias abertas precisam divulgar informações sobre estrutura de controle e atos societários. Se houvesse a mesma transparência sobre bancos que acessam a poupança popular, talvez as dúvidas sobre a composição acionária e origem dos recursos dos seguidos aumentos de capital realizados pelo Master fossem esclarecidas antes.
A lista poderia incluir também transparência sobre comissões de venda de CDBs (e outros produtos bancários) e sobre o nome do cotista único de fundo que se torna controlador de uma empresa ou banco. Mas certamente deixaria de fora o retrocesso sugerido pela CVM de se manter a carteira dos fundos em sigilo por 12 meses.
(*) Fernando Torres é editor-executivo do Valor
E-mail: fernando.torres@valor.com.br







