https://valor.globo.com/legislacao/coluna – 02/12/2025.
Por Daniel Lopes (*)
Ao exigir que as empresas integrem segurança e transparência aos seus contratos digitais, a lei cria um ambiente de negócios mais previsível e sustentável.
A consolidação da LGDP, a Lei Geral de Proteção de Dados (nº 13.709/2018), tem produzido um impacto silencioso, mas significativamente profundo, sobre como as empresas estruturam seus contratos digitais. A norma não apenas introduziu novas obrigações de segurança e transparência, como redefiniu a própria natureza da relação contratual em ambientes tecnológicos, exigindo cláusulas específicas, protocolos de segurança e regras de responsabilidade mais rígidas.
Durante anos e até a consolidação cultural da LGPD no ambiente corporativo, as cláusulas de proteção de dados eram tratadas como mera formalidade. Agora, estão no centro das negociações. Cada contrato precisa identificar os agentes de tratamento – controlador, operador e subcontratado -, detalhar quais dados serão tratados, com que finalidade e por quanto tempo, além de estabelecer as medidas de segurança adotadas e os procedimentos em caso de incidentes. A ausência de tais previsões expõe as partes a riscos de responsabilização solidária e a penalidades da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
As mudanças vão muito além da técnica jurídica e redefiniram os patamares da boa governança empresarial. Em outros termos, os contratos deixam de ser meros documentos burocráticos e passam a funcionar como uma extensão da política de compliance e, em última instância, da estratégia de reputação das companhias. Em um ambiente regulado por dados e algoritmos, a transparência contratual tornou-se sinônimo de confiança e de sustentabilidade corporativa.
Outro avanço importante foi a consolidação das assinaturas eletrônicas e certificados digitais como instrumentos essenciais de validade e integridade documental. Antes vistos como boas práticas, hoje são componentes de conformidade regulatória. A autenticação digital baseada na Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil) garante integridade documental, reduz fraudes e confere rastreabilidade às transações.
Decisões recentes de tribunais brasileiros, inclusive do Superior Tribunal de Justiça (STJ), têm reconhecido a plena validade de contratos firmados por via eletrônica, desde que observados os requisitos de autenticidade e integridade. Isso confere previsibilidade às operações digitais e reduz litígios, especialmente em contratos de software, armazenamento em nuvem e plataformas de marketplace.
O tratamento de inadimplências também ganhou novos contornos sob a LGPD. Em serviços digitais, como SaaS e cloud computing, a coleta e o uso de dados para cobrança devem respeitar os princípios da finalidade e da proporcionalidade. Suspensões automáticas de acesso precisam estar expressamente previstas, ser comunicadas com antecedência e jamais expor dados pessoais de forma indevida. A automação desses processos é legítima, desde que observe a boa-fé contratual e os direitos do consumidor. A ética digital, cada vez mais, é o que diferencia empresas sólidas de operações temerárias.
Nos casos de vazamento de dados ou falhas de segurança, a responsabilidade civil é objetiva – ou seja, independe de intenções e culpas – e pode alcançar todos os agentes envolvidos. A ausência de cláusulas claras sobre proteção de dados aumenta o risco de responsabilização solidária e de danos reputacionais. Por isso, cresce o número de empresas que adotam rotinas de auditoria, planos de resposta a incidentes, exigência de criptografia e previsão de eliminação segura das informações após o término da relação contratual. As decisões e orientações da Agência Nacional de Proteção de Dados, cada vez mais assertivas e rigorosas, vêm consolidando os parâmetros para notificações de incidentes, bem como a definição de prazos e mecanismos de mitigação.
Essas práticas não são apenas exigências legais. Elas têm se tornado diferenciais competitivos. Em processos de due diligence e negociações de fusões e aquisições, o histórico de governança e rastreabilidade jurídica é um dos primeiros aspectos avaliados. Empresas que demonstram maturidade na proteção de dados transmitem confiança, reduzem riscos de passivos futuros e se destacam em mercados que valorizam conformidade e segurança da informação.
Entre as boas práticas que vêm se consolidando estão a previsão de auditorias periódicas e inspeções de conformidade, a adoção de cláusulas de confidencialidade e criptografia, o detalhamento das obrigações entre controlador, operador e subcontratado e a previsão expressa de anonimização ou eliminação dos dados após o encerramento contratual. Tais medidas reduzem a exposição jurídica e fortalecem a relação de confiança entre as partes.
A LGPD, nesse sentido, não freia a inovação – ela a qualifica. Ao exigir que as empresas integrem segurança e transparência aos seus contratos digitais, a lei cria um ambiente de negócios mais previsível e sustentável. As transformações contratuais impostas pela LGPD não são fardo regulatório, mas um marco de amadurecimento institucional.
O futuro dos contratos digitais no Brasil dependerá, em grande medida, da capacidade de as empresas compreenderem que governança jurídica, reputação e competitividade caminham lado a lado. É um caminho sem volta, e isso é saudável para o mercado brasileiro, para a segurança da sociedade e, como consequência, ao desenvolvimento econômico e à modernização necessária ao país.
(*) Daniel Lopes é sócio da área de Contratos do Almeida Prado & Hoffmann Advogados e especialista em estruturação contratual, tecnologia e proteção de dados
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