https://capitalaberto.com.br/artigos – 06/08/2025
Por Francisco Tertuliano (*)
O avanço dos FIDCs revela uma mudança estrutural no mercado financeiro e o produto se consolida como ferramentas estratégicas de financiamento da economia real.
O mercado de capitais brasileiro encerrou 2024 com um desempenho surpreendente: foram R$ 783,4 bilhões em emissões, o maior volume desde 2012. A renda fixa respondeu por R$ 709,2 bilhões desse total, impulsionada por um dezembro recorde e pela busca crescente por instrumentos mais conservadores e estruturados. Nesse contexto, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) destacaram-se como protagonistas, com R$ 81,4 bilhões captados ao longo do ano — um crescimento de 86,1% em relação a 2023.
Mais do que números, o avanço dos FIDCs revela uma mudança estrutural no mercado financeiro brasileiro. Esses fundos vêm se consolidando como ferramentas estratégicas de financiamento da economia real, ao viabilizar a antecipação de recebíveis por parte das empresas. Funcionando como veículos de securitização, os FIDCs convertem dívidas e ativos ilíquidos — como duplicatas, cheques, aluguéis e parcelas de cartão de crédito — em instrumentos negociáveis no mercado, conectando diretamente investidores a empresas.
Na prática, os FIDCs compram direitos creditórios de empresas cedentes, proporcionando capital imediato. Os pagamentos dos devedores são então direcionados ao fundo, que distribui os recursos aos cotistas. Essa estrutura permite que empresas obtenham capital de giro com mais agilidade e menos dependência do crédito bancário tradicional, frequentemente limitado e caro, sobretudo para pequenas e médias empresas (PMEs).
A flexibilidade dos FIDCs também atrai gestores e investidores. Suas cotas são divididas em diferentes níveis de risco e prioridade (sênior, mezanino e subordinada), o que permite maior controle sobre retorno e exposição. Essa estrutura, aliada à compressão dos spreads nas operações “high grade” do mercado, incentivou uma migração dos fundos de crédito privado para os FIDCs, em busca de maior atratividade e diversificação.
Não por acaso, os FIDCs superaram em volume os CRAs, CRIs e fundos imobiliários, além de liderarem em número de operações, com 918 ofertas registradas em 2024. A alta liquidez no mercado e o apetite por produtos estruturados com bom risco-retorno impulsionaram ainda mais essa expansão. Mesmo diante da limitação de liquidez no mercado secundário, a previsibilidade e resiliência dos FIDCs têm sido diferenciais valorizados por investidores institucionais e qualificados.
Do lado regulatório, 2024 também foi marcado por avanços significativos. A Resolução CVM 175, ao permitir a distribuição de FIDCs para o público geral, ampliou a base de investidores e impulsionou o mercado. Além disso, a inclusão dos FIDCs no acordo de cooperação entre CVM e ANBIMA — que agora cobre cerca de 90% da indústria — fortaleceu os mecanismos de supervisão e autorregulação. Os resultados já são visíveis: desde 2020, o número de FIDCs cresceu mais de 130% e o patrimônio líquido mais do que triplicou, demonstrando o sucesso das mudanças institucionais.
Apesar do bom momento, os FIDCs não são isentos de desafios. O principal risco segue sendo o de crédito — especialmente em carteiras com concentração excessiva ou qualidade questionável. Além disso, o mercado secundário de cotas ainda é pouco líquido, o que exige prêmio adicional e atenção dos investidores. Dada sua complexidade, os FIDCs seguem mais adequados a investidores qualificados, que contam com gestoras especializadas e processos robustos de análise de risco.
Mesmo assim, em um cenário de crescente busca por diversificação e retorno, os FIDCs têm se mostrado resilientes, com potencial defensivo em carteiras de crédito privado. A previsibilidade de fluxos, a sofisticação das estruturas e o impacto direto na economia real tornam esses fundos um componente estratégico da modernização do sistema financeiro brasileiro.
Se o país quer avançar em desintermediação financeira, democratização do acesso ao crédito e eficiência na alocação de capital, o fortalecimento dos FIDCs é um caminho natural. Com regulação estável, autorregulação eficaz e educação contínua do mercado, esses fundos continuarão a desempenhar um papel central no desenvolvimento sustentável do mercado de capitais brasileiro.
(*) Francisco Tertuliano é assessor de investimentos com foco na estruturação de Fundos Estruturados e ênfase em FIDCs na RJI Investimentos