https://valor.globo.com/brasil/noticia – 10/12/2024
Por Alex Jorge Braga — De São Paulo
Ausência de educação empreendedora e financeira é o motivo do alto percentual de inadimplência, diz especialista.
A gestão financeira é o maior desafio do empreendedor brasileiro. Cerca de 45% dos negócios analisados estão com algum nível de inadimplência, revela estudo inédito “Matriz da Maturidade Empreendedora: desafios e oportunidades”, que foi produzido pela Fundação Dom Cabral (FDC), em parceria com o Estímulo, fundo que apoia pequenos empreendedores com capacitação e crédito orientado.
Apesar do alto percentual de endividamento das instituições, mais da metade (66%) dos participantes da pesquisa respondeu que está “confiante” na condução das finanças das suas empresas. Para a professora do FDC Elisângela Furtado, esse paradoxo revela a necessidade de formação de empreendedores no Brasil.
“Uma educação que não nos prepara para lidar com a dimensão financeira é um limite para os empreendedores, que, sem formação, não são organizados e o pior: não veem isso como um problema”, diz. “O endividamento é uma barreira para o crescimento do negócio.”
O estudo aponta também que a maioria dos entrevistados não tem interesse em realizar análises de mercado (57,66%) nem possui conhecimentos satisfatórios na área de marketing (57,74%). Para Furtado, esse dado é também consequência da falta de qualificação.
“Olhamos para estas informações e percebemos que existem pessoas que preferem acreditar em milagres. Não valorizar devidamente as pesquisas científicas e de mercado, por exemplo, deixa o empreendedor entregue às aventuras, que são investimentos de alto risco de retorno e que impactam de forma muito dramática os negócios”, explica.
Além da pouca formação, a docente salienta que os empreendedores têm outros obstáculos em seu caminho, como: burocracia, dificuldades para atrair e manter sua clientela, pouco acesso a crédito, e inabilidade para lidar com as instabilidades do cenário macroeconômico nacional.
Ao todo, foram coletadas 310 respostas de empreendedores de todo o país entre julho e setembro de 2024. A maior parte deles (53,87%) gerencia sozinha suas empresas ou (35,48%) supervisiona de perto o que outros colaboradores fazem. Quase todos (94%) estão formalizados, e quase um terço (29%) declarou ter renda mensal entre R$ 5.648 e R$ 30 mil.
O levantamento mostra que os segmentos mais representados pelos empreendedores são o comércio varejista (32,58%), serviços de alimentação (10,65%), e marketing e publicidade (5,16%).
Para Furtado, essa divisão dos empreendedores reflete a economia nacional. Segundo ela, o varejo representa uma parcela significativa do PIB e é um dos principais indicadores da saúde da economia, pois reflete diretamente o consumo das famílias. Em 2023, de acordo com a Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), o varejo movimentou R$ 2,23 trilhões, representando 20% de todos os bens e serviços finais produzidos no país. E a tendência é de aumento. No primeiro semestre de 2024, o comércio varejista teve crescimento de 5,2% em relação ao mesmo período do ano passado.
Para a professora, o empreendedorismo está diretamente associado à saúde econômica de uma sociedade. No caso do Brasil, ela afirma que a importância da atividade é ainda maior, pois se trata de um país com dimensão continental e rico em diversidade natural e humana.
A especialista cita estudo desenvolvido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) que aponta que o segmento movimentou cerca de R$ 420 bilhões na economia brasileira em 2022. Além disso, as micro e pequenas empresas respondem por cerca de 27% do Produto Interno Bruto (PIB).
Segundo a mesma pesquisa, os pequenos negócios foram responsáveis por mais de 1,1 milhão de empregos, o que representa mais de 80% dos postos formais brasileiros. “Esses dados revelam que empreender é um caminho para pessoas que precisam e querem lutar pela mudança de sua própria realidade”, afirma a especialista do FDC.
Já o CEO da Estímulo, Vinícius Poit, ressalta que um dos frutos foi a criação da Matriz da Maturidade Empreendedora, que divide as instituições em três níveis de acordo com o tamanho. Segundo ele, essa separação contribui para a análise do cenário do setor e para ajudar as organizações.
“Há diferentes empreendedores com diferentes necessidades. Com isso, não podemos tratá-los da mesma forma. Por exemplo, há muitos pequenos negócios não formalizados, que vendem o almoço para comprar o jantar”, diz.
Para Poit, empreender no Brasil não é fácil em nenhum momento do negócio. Porém o ex-parlamentar salienta que os dois primeiros anos do empreendimento são os mais difíceis. “Nesse início, o pequeno negócio pode não ter computador nem contador. E lidar com a complexidade fiscal brasileira torna a taxa de mortalidade das empresas altíssima”, diz.
Já sobre as tendências, Poit se mostra muito otimista e ressalta o uso intensivo de tecnologias emergentes, principalmente como inteligência artificial. Além disso, segundo ele, há uma crescente preocupação com o meio ambiente e a responsabilidade social, que está impulsionada pela demanda dos consumidores por produtos e serviços que respeitem o planeta.
Ele ressalta o papel do governo na formulação de políticas públicas de fomento ao empreendedorismo, qualificação e acesso a crédito. “A resiliência e a adaptabilidade são, sem dúvidas, a maior qualidade da população brasileira para o empreendedorismo. E isso a gente comprova observando as favelas, que com pequenas iniciativas estão se tornando uma potência nessa área”, afirma.