valor.globo.com – 14/02/2020.
Por Heloisa Estellita e Aldo Romani Netto.
A OAB veiculou entendimento de que o dever de comunicar operações violaria o dever de sigilo profissional.
Tema sensível e delicados para advogadas/os é o relativo aos pontos de contato entre o exercício profissional e a lavagem de capitais e que, infelizmente, têm ocupado o noticiário: advogados acusados de estruturação de operações de lavagem, de recebimento de honorários provenientes da prática de crimes, de servirem como veículos para o repasse e ocultação de propina.
Notícia recente nesse tema é a decisão da Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla), de recomendar à OAB a regulamentação aos advogados para o cumprimento das obrigações previstas na Lei de Lavagem de Dinheiro.
A OAB veiculou entendimento de que o dever de comunicar operações violaria o dever de sigilo profissional.
A percepção de que profissionais de instituições financeiras, contadores, corretores imobiliários, economistas etc., e também advogados poderiam servir como instrumentos para a prática de crimes de lavagem de capitais já conduziu à imposição dessas obrigações em outros países, especialmente os do continente europeu.
Entre nós, em 9 de julho de 2012, a Lei de Lavagem de Dinheiro, foi reformada e, levando em consideração as normativas internacionais, aumentou o rol de pessoas e atividades sujeitas a serem instrumentalizadas para a lavagem, para incluir também as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações financeiras, societárias ou imobiliárias. Essas pessoas passaram a ter três obrigações fundamentais: conhecer seus clientes, manter registro de certas operações e comunicar à unidade de inteligência financeira a ocorrência de certas operações.
O detalhamento desses deveres incumbe ao órgão regulamentador do setor ou atividade, no caso dos advogados, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Todavia, já em 2012, o Conselho Federal da OAB veiculou entendimento no sentido de que o dever de comunicar operações violaria o dever de sigilo profissional dos advogados e, consequentemente, deixou de regular a prevenção da lavagem de capitais no setor.
A questão não é tão simples e a ausência de regulamentação pode prejudicar advogados de operação, que prestam assessoria não contenciosa em certas áreas do direito empresarial.
Um advogado que assessora uma venda de imóvel com pagamento em espécie, por exemplo, poderá se ver injustamente envolvido em investigação pela prática de lavagem de capitais como partícipe com, no mínimo, grandes prejuízos à sua reputação profissional, pela impossibilidade de comunicar a operação suspeita de lavagem ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras. Mas o corretor imobiliário que intermediou o negócio, por exemplo, poderá fazer a comunicação, afastando ou mitigando o risco de imputação de lavagem de capitais por participação (Cofeci, Resolução 1.336/2014).
É verdade que as justificativas apresentadas pela Enccla não se inspiram em uma preocupação com a segurança jurídica dos profissionais, mas com a efetividade do combate à lavagem de capitais. Mesmo assim, os grandes beneficiados pela edição de normas de prevenção da lavagem de capitais seriam os próprios advogados, que poderiam desenvolver suas atividades com maior segurança.
Quanto ao sigilo profissional, deve-se considerar que a atividade contenciosa não estaria sujeita à obrigação de reportar operações ao Coaf, e que tanto o Estatuto da OAB quanto o Código de Ética já permitem o afastamento do sigilo quando necessário para a própria defesa do advogado.
Se um serviço contratado acaba sendo desvirtuado pelo cliente, envolvendo injustamente o advogado em uma operação de lavagem de capitais, está presente a justa causa que excepciona a obediência ao dever de sigilo.
É para estas situações que entendemos importante a emissão de regulação pela OAB. Há muitos modelos de regulação desenvolvidos, especialmente no continente europeu, que procuram estabelecer um balanço adequado entre sigilo profissional e proteção da/o advogada/o. O maior ganho seria, certamente, permitir que advogados de operações pudessem desenvolver seu ofício com um grau de segurança que hoje não possuem.
Heloisa Estellita e Aldo Romani Netto são, respectivamente, professora de Direito Penal Econômico do curso de mestrado profissional da FGV Direito SP e consultora; mestre em Direito pela FGV Direito SP e advogado.
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