Só 6% das empresas têm auditoria interna que atende Novo Mercado.
Por Rita Azevedo – Valor
www.valor.com.br- 14/02/2019.
SÃO PAULO – Cerca de um terço das empresas listadas no Novo Mercado não possui uma área de auditoria interna, responsável por aferir a qualidade e a efetividade das regras de governança. Quase 64% das empresas possuem essa área, mas precisam adaptá-la ao novo regulamento do segmento e apenas 6% delas apresentam uma área totalmente em conformidade com as exigências da B3, um ano após a entrada em vigor das novas regras.
O dado faz parte de um estudo da B3 obtido com exclusividade pelo Valor, que mediu o nível de adequação das companhias às regras aprovadas em 2017. As empresas têm até abril de 2021 para se adequarem ao regulamento.
Flavia Mouta, diretora de regulação de emissores da B3, considera que os percentuais estão dentro do esperado, tendo em vista o prazo para adaptação. “Entendemos que as empresas devem fazer as alterações necessárias em sua estrutura de forma refletida e que isso demanda tempo”, afirmou ela.
Pelo regulamento, todas as empresas do segmento devem dispor de uma área de auditoria interna cujas atividades sejam reportadas ao conselho de administração diretamente ou por meio do comitê de auditoria. As atribuições dessa área, assim como a estrutura e o orçamento, devem passar por avaliação dos conselheiros pelo menos uma vez ao ano.
O levantamento foi feito a partir da análise dos formulários de referência de 128 das 142 companhias que fazem parte do grupo. Foram excluídas da amostra as que estavam em recuperação judicial, em processo de saída do segmento ou que se listaram a partir de janeiro de 2018 e que, por essa razão, têm a obrigação de já cumprirem integralmente com as regras.
O estudo não mostra percentual médio do cumprimento das regras, mas se as companhias estão ou não em conformidade com as obrigações do novo regulamento, como implantar funções de compliance, controles internos e riscos corporativos, ter e divulgar processo de avaliação dos administradores, adaptar estatuto social, ter comitê de auditoria e divulgar regimentos e políticas internas. Segundo a B3, as companhias que estão mais próximas de cumprir integralmente todas as regras são CCR, Lojas Renner, Sabesp, Totvs, Localiza e B2W.
Outra obrigação que ainda é pouco cumprida pelas companhias do Novo Mercado se refere à divulgação de políticas internas. Apenas 9% das empresas do segmento tornam públicas suas políticas de transação com partes relacionadas, gerenciamento de riscos, indicação e remuneração. Do restante, 47,5% não divulgam qualquer política e 43,5% tornam públicas de uma a três das quatro políticas exigidas.
Na época em que a revisão era discutida, analistas já apontavam a divulgação de políticas como um desafio para as empresas, uma vez que algumas delas se relacionam a temas espinhosos como a remuneração da diretoria.
Entre as novas exigências, a que apresenta o maior nível de cumprimento é a criação de funções de compliance, controles internos e riscos corporativos. De acordo com o estudo, 69% das companhias listadas no Novo Mercado já atendem essa regra.
Flavia, da B3, considera o percentual alto. Para ela, além da própria necessidade de adequação das empresas que compõem o segmento, o número reflete uma mudança no ambiente de negócios e na visão das companhias, que deixaram de ver o compliance apenas como um custo.
Segundo a diretora, há três anos, quando foram iniciadas as discussões para a reforma do segmento, algumas empresas relutavam em adotar funções voltadas para conformidade. Em meio à interação com as companhias, ela ouvia que, em momentos de crise econômica, a B3 não deveria exigir novos custos das empresas. “A nossa resposta era que, de uma forma ou de outra, ter funções ligadas ao compliance se tornaria uma cobrança do próprio mercado”. O resultado da pesquisa mostra que isso realmente ocorreu, ressalta Flavia.
Para Rodrigo Bertoccelli, presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial, essa “cobrança” do mercado se tornou mais forte a partir de 2013, com o surgimento de marcos como a Lei Anticorrupção e a Lei das Estatais. “As companhias foram estimuladas a se preparem em termos de governança”, diz.
Com a Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, várias empresas envolvidas em casos de corrupção firmaram acordos de leniência com as autoridades e foram obrigadas a implementar um programa de compliance como parte do acordo. Consequentemente, esse cenário gerou um movimento em que o mercado como um todo passou a enxergar a adoção de programas de conformidade como inevitável para a sustentabilidade das empresas.
O novo regulamento do Novo Mercado não exige que seja criada uma área específica dentro das companhias, mas, sim, que sejam implantadas funções de compliance, controles internos e riscos corporativos. A única restrição é que tais funções não sejam acumuladas com atividades operacionais da empresa.
Até 2021, as companhias do Novo Mercado também devem se adaptar para divulgar regimentos como o do conselho de administração e o do comitê de auditoria. Hoje, 80% delas não cumprem plenamente com a regra.
Em relação à exigência de ter um comitê de auditoria, aproximadamente 9% das empresas possuem um comitê que cumpre com as exigências da B3, 51% precisam adaptar o comitê existente e 40% não possuem o órgão.
A pesquisa mostra ainda que 23% das companhias cumprem com a obrigação de ter e divulgar processos de avaliação de administração, enquanto 77% não cumprem ou executam parcialmente. Em relação à adaptação do estatuto social, 38% já o fizeram.