Por Camila Maia – Valor – 13/02/2015 – 05:00 .
Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) publicou uma carta propondo o debate das práticas de governança nas sociedades de economia mista, discutindo a intervenção do governo de forma contrária aos interesses dos acionistas e questionando até “a conveniência” da abertura de capital das estatais.
Em meio ao escândalo de corrupção que envolve a Petrobras, a carta do IBGC diz que a presença do Estado como acionista controlador em estatais “impõe desafios adicionais ao exercício das boas práticas de governança”.
Carazzai, do IBGC, recomenda contratação de executivo por firma especializada.
Para Emílio Carazzai, conselheiro de administração do IBGC, a criação de uma empresa de capital misto precisa ser justificada pelo “interesse público”, o que “não é uma autorização ampla e ilimitada para que o poder público abuse e submeta a empresa a iniciativas e programas que não estejam rigorosamente previstos no seu objetivo social”.
A delimitação clara do interesse público é a primeira das duas recomendações publicadas pelo IBGC a essas companhias. Segundo o instituto, essas mudanças não dependem de alterações na legislação e seriam suficientes para melhorar as práticas de governança que vêm sendo desrespeitadas.
A estatal com ações negociadas em bolsa não pode ter abuso de poder de seu acionista controlador. Segundo o IBGC, é essencial que o governo não extrapole o que está estabelecido no estatuto da companhia como objetivo.
Além disso, é necessário delimitar a segregação dos papéis nessas empresas, impedindo que as estatais tomem medidas motivadas por interesses políticos ou partidários.
“A empresa deveria ser preservada de interferência partidária”, afirmou Carazzai. Segundo ele, as estatais listadas na bolsa precisam ficar fora dos limites desse tipo de atuação, para que os cargos sejam preenchidos de acordo com a qualificação técnica dos escolhidos “e não por conta de um eventual interesse político”.
“Às vezes, a percepção do público é que as empresas estatais têm menos controle e fiscalização que as privadas. Essa percepção é incorreta. As estatais, na verdade, têm inúmeros órgãos de fiscalização”, afirmou Carazzai. Os “eventuais problemas”, que ocorrem “com frequência indesejável”, não são causados por ausência de fiscalização, “mas porque a fiscalização é mais formal que material, focada na forma e não na substância”.
Segundo ele, o cumprimento dessas recomendações por meio de um aumento da fiscalização e de mais rigor nas condutas das estatais ajudaria a combater os abusos de poder registrados nessas empresas por parte do acionista controlador.
Uma forma de melhorar as contratações de executivos seria por meio de empresas especializadas. O governo poderia indicar um executivo, mas a decisão final caberia à empresa especializada, impedindo que interesses políticos e partidários ficassem acima dos interesses da companhia.
A Petrobras, maior empresa de capital misto do Brasil, contratou uma empresa especializada para contratar o diretor de governança da companhia, João Adalberto Elek Junior, que tomou posse em 19 de janeiro, meses após o anúncio da criação da vaga.
Já o novo presidente da companhia, Aldemir Bendine, foi indicado pela presidente Dilma Rousseff dois dias depois da renúncia de Graça Foster, sem passar por um processo de seleção detalhado.
Ainda que o IBGC não comente casos específicos como o da Petrobras, o ele destaca que “a realidade evidencia que o procedimento prevalecente para preenchimento de cargos nas sociedades de economia mista é inteiramente discricionário e não atinge padrões minimamente aceitáveis”.
Para Carazzai, o conselho de administração da companhia precisa estar “visceralmente comprometido” com os interesses da empresa e não com a agenda política do governo. Para isso, precisa estar submetido às normas da Lei das Sociedades Anônimas sobre deveres de diligência e lealdade.
A criação da diretoria de governança, como foi feita na Petrobras, é uma mudança bem-vinda por Carazzai, já que o sistema visa a proteção dos interesses das partes interessadas relevantes na companhia. “Hoje em dia, isso não é uma questão de opção, é um dever das empresas. No caso das estatais, não pode ser menos que uma obrigação”. afirmou.
Para o conselheiro do IBGC, não é necessária uma mudança na legislação dessas empresas neste momento. “É lógico que o aperfeiçoamento dos processos, o fortalecimento das agências reguladoras, tudo isso implica em uma qualidade de execução. É de se esperar que tenhamos capacidade no sentido de aperfeiçoar a legislação”, afirmou. Além disso, a sociedade precisa ser “mais demandante” em relação ao respeito da lei por essas empresas.
Não há, porém, sistema que possa blindar uma empresa estatal contra a fraude. “Não há auditoria no mundo que possa impedir efetivamente a fraude”, afirmou. Segundo ele, muitas das fraudes denunciadas no Brasil passam pela contabilidade da empresa, sendo “indetectável” nos processos de governança.
Na carta a ser divulgada hoje, o instituto destacou o fato de que a Lei Anticorrupção não faz menção específica às empresas estatais. “Esse silêncio não é suprido pelo complexo ambiente regulatório em que se inserem as sociedades de economia mista”, afirmou o documento.
Fica em dúvida, para o instituto, se as pessoas jurídicas dessas empresas poderão ou não ser incriminadas ou se são vítimas.
“Uma vez que o patrimônio de uma empresa estatal seja atingido por alguma punição material que o desvalorize, é de se avaliar quem estará sendo punido e quem estará sendo recompensado, em última instância”, afirmou o IBGC, sem especificar um caso. Para Carazzai, “existem casos monumentais de desvio” em estatais com a finalidade especifica de satisfazer uma determinada vontade política.