https://valor.globo.com/financas – 06/12/2021
Por Álvaro Campos — De São Paulo
Para presidente do Bradesco, assimetria em relação aos bancos é clara e o BC já reconheceu isso.
Lazari, do Bradesco: Quando BC determinou quem seria S1, S2, S3, S4 e S5, ainda não existia mundo das fintechs — Foto: Claudio Belli/Valor.
A discussão entre os grandes bancos tradicionais e as fintechs sobre a chamada assimetria regulatória segue quente. Segundo o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Jr., não se trata simplesmente de elevar as exigências de capital para as startups financeiras, mas sim regular as entidades de acordo com o risco que elas representam para o sistema.
“Existe uma grande empresa de cartões de crédito, que está para abrir capital, que tem 40 milhões, 50 milhões de cartões. No segmento de cartão, ela é tão S1 quanto Bradesco, Itaú e Santander. No negócio de cartão ela tem que ser regulada como S1, porque tem o risco sistêmico de uma grande corporação”, comentou Lazari em almoço de fim de ano com a imprensa. A precificação do IPO do Nubank está marcada para o dia 8.
Atualmente, o BC divide as instituições financeiras em segmentos que vão de S1 a S5 – simplificadamente, dos maiores para os menores bancos. Os grandes, que representam maior risco sistêmico, precisam manter mais capital e estão sujeitos a regras mais rígidas. Conforme o Valor mostrou no mês passado, está na reta final a elaboração de novas normas sobre as exigências de capital. Elas devem endurecer o tratamento a companhias “novatas” que alcançaram participação relevante em determinadas áreas, segundo fontes que acompanham as discussões. O Banco Central estaria planejando editar em breve os regulamentos das consultas públicas 78 e 80.
Para Lazari, a assimetria regulatória é clara e o BC já reconheceu isso, tanto que lançou essas consultas. “Nós, bancos, somos extremamente regulados. Não queremos benefícios, mas insistimos que, dado o nível de risco que cada novo entrante represente para o sistema, ele deve ser regulado como tal. Quando o BC determinou quem seria S1, S2, S3, S4 e S5, ainda não existia esse mundo das fintechs. Agora, com essa mudança no mercado, tem que se atualizar essa graduação”, comentou.
O presidente do conselho de administração do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco Cappi, afirmou que o setor financeiro passa por revolução, mas que a transformação digital “não é um big bang, ela vai numa crescente”. Segundo ele, os incumbentes são capazes de se atualizar e competir. “Se a gente não se modernizar todos os dias, corre o risco de virar dinossauro”, afirmou. Lazari explicou que, se antes se estudava os grupos demográficos, hoje se analisa a persona, pois cada cliente tem um perfil distinto. “É um grande desafio que nos obriga a ter analytics, capacidade de armazenamento e trafegar dados extremamente relevante, para que se possa fazer um cruzamento de informações e entender as necessidades de diferentes clientes.”
Questionado sobre o “valuation” atual dos grandes bancos, que negociam a múltiplos de cerca de 1,2 vez o valor patrimonial, ele disse que isso é um “absurdo”. “É irracional um banco desse tamanho, que dá R$ 25 bilhões de lucro por ano, distribui dividendos, recompra ações, valer 1,2 vez o valor patrimonial. Qual é a lógica?” Ainda assim, afirmou que não perde o sono por isso e acredita que em algum momento os mercados vão começar a ajustar essas avaliações.
Sobre o contexto atual, Lazari afirmou que tem sido difícil repassar os aumentos de juros aos clientes no presente ciclo de aperto monetário. Segundo ele, isso se deve a três fatores: a Selic subiu de forma muito rápida, está em um patamar elevado e o cenário concorrencial é mais difícil atualmente. “Como um empresário vai fazer um investimento pagando 10%, 12%? O que ele vai vender que dê uma remuneração desse tamanho? O mercado de capitais parou.”
Ele comentou que, apesar dessas dificuldades, o Bradesco tem reajustado suas taxas e buscado acelerar um pouco a rotação da carteira. O executivo reafirmou o que tinha dito na divulgação dos resultados do terceiro trimestre: a carteira deve crescer dois dígitos em 2022 e os spreads devem subir um pouco acima da carteira. Segundo ele, isso não acontecerá necessariamente com a expansão em linhas mais arriscadas, mas com novas taxas que já estão sendo praticadas, mesmo em linhas mais seguras e de prazo mais longo, como o imobiliário e o consignado.
Em relação ao cenário macroeconômico para 2022, ele disse que não é otimista, mas que o banco tem condições de crescer, graças a uma série de medidas que adotou nos últimos anos. Além disso, reforçou que os mercados se acalmaram na semana passada, com a votação no Senado da PEC dos Precatórios, que dá mais clareza sobre como será a situação das contas públicas no próximo ano. “O Brasil tem um PIB que pode ser um pouco maior ou menor em 2022, mas que existe. Sabemos que o cenário é desafiador, com juros, inflação, dólar a R$ 5,60, o ambiente político.”
Lazari afirmou que o resultado do Bradesco tem de crescer acima do PIB. Ele apontou que, juntas, as iniciativas digitais do grupo – next, Bitz e Digio – devem terminar o ano com quase 15 milhões de clientes, e 86% deles não tinham nenhuma relação com o Bradesco antes. “Fora os 2 milhões de clientes que conquistamos no próprio Bradesco este ano. Estamos abrindo 160 mil contas por mês no celular. Isso tem que produzir algum crescimento.”
Lazari não acha que o Banco Central tenha errado na condução da política monetária, mas diz que, após a inflação ser debelada, os juros precisarão voltar para níveis mais normais, de 4%, 5%. “Taxa de juros alta é uma disfunção que prejudica todo mundo.” Ele não quis comentar muito sobre as perspectivas para as eleições de 2022, mas acredita que ainda há tempo para a construção da chamada terceira via. “O [Fernando] Collor foi presidente e era terceira, quarta, quinta via. Essa é a beleza da democracia, há opções e o eleitor pode fazer suas escolhas.”