O GLOBO – 14/11/2021
Por Gabriel Shinohara.
Em novembro do ano passado, quando o Banco Central lançou o Pix, pensou-se que o sistema de transferências eletrônicas em poucos segundos no celular se tornaria algo útil naquele momento de dividir a conta com os amigos no bar ou mandar algum dinheiro rapidamente para alguém da família. Mas, um ano depois, o alcance do Pix foi bem maior que o esperado.
Segundo dados do BC, 45, 6 milhões de pessoas que não realizavam transações bancárias eletrônicas como TED ou DOC há um ano agora ‘fazem um Pix’ com frequência, sendo que 34 milhões usam apenas essa ferramenta. O nome do sistema está nas conversas, inspira gírias e até paquera. A rápida popularização -foram mais de 1 bilhão de operações só em setembro – tornou o novo meio de pagamento um elemento importante da economia do país, que amplia o acesso ao sistema bancário e viabiliza negócios.
Somente no mês passado, R$ 52 bilhões foram pagos por consumidores via Pix. Isso significa uma economia de ao menos R$400 milhões no mês para empresas sem as tarifas que essas transações teriam no cartão de débito. Dessa forma, o Pix já é capaz de reduzirem R$4, 8 bilhões os custos bancários do setor produtivo em um ano. O cálculo leva em consideração parâmetros de técnicos do BC, partindo da suposição de que 70% dos pagamentos por Pix seriam feitos por débito, com taxa de 1, 1% a cada transação.
A maior parte das transações do Pix, 75%, é entre pessoas físicas – são 105,2 milhões de CPFs e mais de 112 milhões de chaves cadastrados -, mas a participação das empresas está aumentando. Em dezembro de 2020, pagamentos de pessoas a empresas foram 6% do total. No mês passado, 16%.
1 BILHÃO DE TRANSAÇÕES
Atualmente, 7, 4 milhões empresas utilizam esse meio de pagamento. Uma delas é a Sexy Home, loja on-line de produtos eróticos que Miriam Rossi dirige em São Paulo. Ela conta que 80% do seu faturamento vêm do Pix: – Foi uma das melhores coisas que aconteceram. As maquininhas têm muitas tarifas. O Pix contribuiu bastante para o negócio. Se for ver mensalmente, o valor pago com tarifas caiu em torno de 80%.
A rápida introdução do Pix no cotidiano de pessoas e empresas surpreendeu até mesmo o BC. Desde o lançamento, há um ano, os números mantêm um crescimento contínuo a cada mês. Foram 144, 4 milhões de transações em dezembro, o primeiro mês completo de operação. Em abril, o número subiu para 500 milhões e dobrou em quatro meses, alcançando 1 bilhão em setembro, último dado disponível.
O BC planeja fazer uma pesquisa para chegar a um cálculo mais preciso do impacto do Pix na economia, mas o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução da autoridade monetária, João Manoel Pinho de Mello, que foi o responsável pela implementação do sistema, diz não ter dúvidas de que os efeitos foram muito positivos, particularmente na inclusão bancária: – Diga-se de passagem, a receitado débito está até aumentando porque o bolo está aumentando, tem muita gente indo para o digital.
Edlayne Burr, diretora executiva e líder de Estratégia para Pagamentos da Accenture na América Latina, explica que essa dinâmica já era esperada porque o primeiro desenho do Pix foi para substituir o TED nas transferências entre pessoas e os pagamentos em dinheiro: – Como as outras opções continuaram crescendo, como os cartões, provavelmente o Pix roubou espaço do TED e do dinheiro vivo. Esse era o grande objetivo do BC, a eletronização do dinheiro.
DE EMPRESA PARA EMPRESA
Outra modalidade dentro do Pix que vem crescendo, mas em ritmo menor, é o pagamento entre empresas. Em outubro, foram apenas 3% das transações, mas somaram R$ 176 bilhões, 35% de tudo o que passou pelo Pix no mês. Edlayne Burr explica que as empresas têm sistemas de pagamentos mais complexos, e a transição para o Pix no pagamento de um fornecedor, por exemplo, leva um pouco mais de tempo.
A maior parte das grandes empresas fez esse investimento, mas muitas ainda têm que investir para trocar todos os sistemas e fazer as atualizações.
O Grupo Pão de Açúcar (GPA) é uma das grandes companhias que ainda não adaptou seus processos para pagar suas próprias contas com Pix, mas, na outra ponta, passou a aceitar essa forma de pagamento dos clientes. O Pix foi introduzido em meados deste ano e já responde por 10% das vendas nos sites das suas redes Pão de Açúcar e Extra, conta o diretor de Tesouraria do GPA, Frederico Alonso. Segundo ele, a tendência é aumentar nos próximos anos, inclusive nos seus supermercados espalhados pelo país.
Se o Pix chegou prometendo novas possibilidades para pessoas físicas e empresas, um segmento parecia ter poucos motivos para comemorar: o dos bancos. No entanto, apesar da perda de receita com TEDs, o setor tem uma avaliação positiva do Pix. Houve aumento da competição com as fintechs, as startups financeiras, e maior estímulo à digitalização de serviços, o que reduz custos dos grandes bancos.
Com menos transações com dinheiro vivo, há menos gastos com a logística de transporte de valores para abastecer agências e caixas eletrônicos, diz o diretor de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Leandro Vilain: – O Brasil tem características continentais. Se você for pensarem algumas regiões do país, a logística de distribuição de dinheiro é uma verdadeira operação de guerra.
Embora não cite uma estimativa, Vilain avalia que a perda de receita com TEDs é ‘relativamente pequena’ porque 62% das contas nos bancos já tinham gratuidade nas transferências antes do Pix. Marcelo Martins, diretor da Associação Brasileira de Fintechs (ABFintechs), avalia que a chegada do Pix também foi positiva para os bancos digitais porque favoreceu a redução do custo para ‘bancarizar’ um novo cliente: – Não tem mais que enviar um cartão, ter o custo de logística, para ter um novo cliente. Ele pode entrar numa conta digital do seu banco e você oferece o Pix, por meio do qual você também pode dar crédito.
PIXTINDER
A popularização do Pix levou a usos surpreendentes do sistema. Usuários exibindo suas chaves em redes sociais transformaram a transferências de valores em um meio de enviar e receber mensagens por meio do espaço destinado à identificação das operações. Disponível 24 horas por dia e com a possibilidade de transferir qualquer valor, até mesmo centavos, o sistema acabou virando uma rede de paqueras, apelidada de ‘Pix Tinder’, numa referência ao aplicativo de relacionamentos.
A designer de produtos Isabelle Fengler, de 20 anos, entrou na brincadeira colocando suas chaves Pix no Tinder original. Acabou recebendo mensagens via Pix com transferências de baixo valor.
Foram de pessoas para as quais eu não dei o match e, por isso, não poderiam me enviar mensagens no Tinder. Aproveitaram a informação do Pix para chamar minha atenção – conta.
ÚTIL ATÉ EM INVESTIGAÇÃO
A advogada Mylla Christie, de 30 anos, usou o Pix numa investigação na Bahia. Ela precisava localizar o pai de uma criança para iniciar um processo de pedido de pensão alimentícia. A mãe havia sido bloqueada no celular do homem, que vive em outro estado, após ter dado a notícia da gravidez. Não sabia o nome completo dele, mas tinha o número do celular, usado por ele como chave no Pix. Usuária da plataforma desde o lançamento, a advogada usou o número para simular uma transferência e obteve o nome completo do pai. A partir daí ela encontrou o perfil dele nas redes sociais, pesquisou em sites jurídicos e chegou ao seu paradeiro. Ele acabou registrando a criança.
Já usava o Pix para receber honorários advocatícios, mas para investigação foi a primeira vez -comemora a advogada.
‘O Pix contribuiu bastante para o negócio. Se for ver mensalmente, o valor pago com tarifas caiu em torno de 80%’ Miriam Rossi, empresária que tem o Pix como principal meio de pagamento em loja on-line