VALOR ECONOMICO – 28/10/2021.
Por Edison Fernandes – Professor doutor da FEA-USP, do CEU-IICS Escola de Direito e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas.
Paira a dúvida sobre qual norma juscontábil aplicar no caso do reconhecimento do ativo fiscal pela não incidência de IRPJ e CSLL sobre a Selic.
O meu último artigo no Fio da Meada deixou em suspenso a dúvida sobre a norma juscontábil aplicável no caso do reconhecimento de ativo fiscal referente à não incidência de IRPJ/CSLL sobre juros Selic. Retorno a esse assunto, todavia, sem a pretensão de expor uma posição definitiva.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que os juros Selic incidentes sobre indébito tributário, por sua natureza de reparação de dano emergente, não estão sujeitos aos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL).
Em decorrência dessa decisão, as pessoas jurídicas contribuintes podem recuperar os valores recolhidos indevidamente no passado. Isso é sabido e foi bastante noticiado. A discussão agora é o momento de reconhecer no seu patrimônio esse direito contra a administração tributária federal, vale dizer, RECONHECER O ATIVO FISCAL nas demonstrações contábeis.
Preliminarmente, é preciso identificar a norma juscontábil aplicável ao caso e, sobre esse assunto, há divergências entre profissionais das empresas, auditores independentes e acadêmicos. Estão na mesa duas normas, a saber: Pronunciamento Técnico CPC 25, que disciplina os ativos contingentes, e o Pronunciamento Técnico CPC 32 complementado pela Interpretação CPC 22, que dispõe sobre as incertezas em matéria de tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL).
Tendo em vista que o objeto do indébito tributário é a tributação sobre a renda e o lucro (IRPJ/CSLL), houve a indicação de que seria aplicado o CPC 32 combinado com a ICPC 22. Essa interpretação elegeu como critério para determinação da incerteza com relação aos tributos sobre o lucro a “probabilidade” (itens 10 e 11). Seguindo essa linha de raciocínio, sendo provável a recuperação dos valores indevidamente recolhidos a título de IRPJ/CSLL, em razão da não incidência sobre juros Selic, o ativo fiscal deveria ser reconhecido.
Por seu lado, o CPC 25 dispõe que o ativo inicialmente contingente, por exemplo, que depende de uma decisão judicial, deverá ser reconhecido somente quanto sua realização for “praticamente certa” (item 33).
Assim está resumida a questão: o ativo fiscal referente à não incidência de IRPJ/CSLL sobre juros Selic deve ser reconhecido quando o direito é provável ou praticamente certo?
No entanto, alguns outros dispositivos juscontábeis devem ser lembrados:
(i)O CPC 25 exclui expressamente os tributos sobre o lucro no que diz respeito à provisão, portanto o passivo referente a IRPJ/CSLL (item 5, “b”);
(ii)Nesse mesmo sentido, o ICPC 22 alcança a contabilização de IRPJ/CSLL corrente (presente) e diferido (futuro) (item 2), o que implica considerar os tributos devidos de hoje para frente, não fazendo referência à recuperação de indébito do passado;
(iii)Ainda, o ICPC 22 define “tratamento fiscal” em referência à “apuração dos tributos sobre o lucro” (item 3), vale dizer, refere-se à formação da base de cálculo de IRPJ/CSLL, base que não é impactada pela recuperação do indébito de IRPJ/CSLL;
(iv)Finalmente, o ICPC 22 disciplina os efeitos da “incerteza na determinação” do lucro tributável (item 11) e não a existência de contingência relativa ao IRPJ/CSLL, seja contingência passiva ou mesmo contingência ativa.
Diante desses fatores de interpretação das normas juscontábeis, particularmente tendo à posição de que deve ser observado o CPC 25 no reconhecimento do ativo fiscal pertinente à não incidência de IRPJ/CSLL sobre juros Selic, em detrimento da aplicação do ICPC 22. Mas faço coro à Luciana Aguiar, professora da FGV Direito SP: esse assunto precisa ser estressado para proporcionar segurança jurídica às empresas e aos seus “stakeholders”.