VALOR ECONOMICO – 25/10/2021.
Por Edison Fernandes*
Auditores independentes devem considerar julgamento da empresa.
Não há dúvida de que os Auditores independentes entendem, talvez mais do que qualquer outra categoria profissional, dos Pronunciamentos Técnicos do Comitê de Pronunciamentos Contábeis – CPC. Os auditores são os responsáveis pelas boas práticas das demonstrações contábeis, o que implica necessariamente o respeito às normas contábeis. Em muitas situações, no entanto – arrisco-me a dizer que podemos estender a quase todas as situações –, a aplicação das normas contábeis depende de conceitos e mandamentos de outras áreas.
O reconhecimento contábil de ativos fiscais decorrentes de medidas judiciais é uma dessas situações. Nesses casos, os Pronunciamentos Técnicos do CPC não são suficientes; faz-se necessário analisar o “outro” CPC, qual seja, o Código de Processo Civil.
Em razão dos valores envolvidos e da parte contrária, o mandado de segurança é a medida por excelência do contencioso tributário judicial: discute-se um objeto concreto e específico; teoricamente, correria num rito mais célere e não sujeita a parte vencida a honorários de sucumbência. Ocorre que outras características do mandado de segurança limitam a sua aplicação: não é permitida a discussão de lei em tese e não é permitida a produção de provas, o que, muitas vezes, impede que a sentença seja líquida e certa quanto ao direito assegurado ao contribuinte (no caso de contencioso judicial tributário).
Some-se a isso a regulamentação para o aproveitamento desse ativo fiscal, no que diz respeito à esfera federal: o indispensável trânsito em julgado da decisão favorável; a renúncia da execução judicial; a habilitação do crédito fiscal, que, entretanto, não implica liquidez e certeza dos valores envolvidos; a declaração de compensação, se o caso, e a sua homologação, expressa ou tácita pelo decurso do prazo de cinco anos. Como se vê, o reconhecimento de crédito fiscal, obtido em contencioso judicial, não pode obedecer a um procedimento padronizado e estanque. Há que se levar em consideração as situações particulares de cada caso concreto.
Não obstante esse percurso tortuoso, os Auditores independentes têm exigido o reconhecimento de crédito fiscal pela simples decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em sede de repercussão geral – aliás, mesmo antes da publicação do respectivo acórdão. Conquanto essa possa ser uma orientação geral ou inicial para a análise do caso específico de cada pessoa jurídica contribuinte, não pode ser a resposta definitiva, inquestionável e padronizada para o reconhecimento de crédito fiscal.
Em decorrência do comentado anteriormente, algumas circunstâncias específicas devem ser sopesadas, tais como: qual a medida judicial interposta pela pessoa jurídica contribuinte (mandado de segurança, ação declaratória); a opção pela “execução” da decisão favorável depois do trânsito em julgado (compensação, restituição pela via administrativa, restituição via precatório); observação dos trâmites administrativos etc. etc. etc.
Se, por um lado, os auditores independentes são profissionais altamente capacitados para avaliar a aplicação dos Pronunciamentos Técnicos do CPC, por outro, eles não o são para avaliar a aplicação do Código de Processo Civil – o “outro” CPC. Dessa forma, eles devem respeitar o julgamento da administração da pessoa jurídica, formada juntamente com os seus assessores jurídicos.
Isso não quer dizer aceitar de maneira inquestionável esse julgamento, devendo avaliar, basicamente (mas não exclusivamente), se a administração buscou todas as informações disponíveis para a decisão, se a decisão tomada é razoável a luz dos “stakeholders” da pessoa jurídica e se tanto os critério de julgamento quanto a decisão estão devidamente informações das demonstrações contábeis, ainda que seja em notas explicativas.
Como as próprias regras contábeis afirmam, a elaboração das demonstrações contábeis depende do julgamento da administração, o que implica a consideração caso a caso. Não se justifica, portanto, a opinião dos auditores independentes no sentido de uma posição única e uniforme para o reconhecimento de ativos fiscais decorrentes de contencioso judicial.
P.S.: Vale lembrar, ainda, que no caso da decisão do STF sobre a não incidência de IRPJ/CSLL sobre os juros remuneratórios de créditos fiscais ainda há o debate sobre qual norma contábil a ser aplicada: CPC 25 ou ICPC 22.
*Edison Fernandes – Professor doutor da FEA-USP, do CEU-IICS Escola de Direito e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas