https://valor.globo.com/financas – 08/10/2021
Por Talita Moreira e Álvaro Campos — De São Paulo.
Febraban e Zetta vêm trocando farpas sobre as condições em que cada lado opera.
A Febraban protagonizou nas últimas semanas um debate com a Zetta, associação que reúne fintechs como Nubank e Mercado Livre, sobre assimetrias entre os bancos tradicionais e as empresas novatas do setor financeiro.
O estopim foi um post da Zetta sobre um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) mostrando que os bancos aumentaram as tarifas na pandemia. A Febraban respondeu com uma publicação no Linkedin, na qual apontava que as taxas de juros cobradas pelo Nubank são maiores que as das instituições tradicionais. Na tréplica, a associação das fintechs levantou a questão dos impostos, alegando que os bancos, ao ativar créditos tributários, não pagaram impostos efetivamente em 2020.
A Febraban decidiu não levar a discussão pública adiante. No entanto, respondeu a questionamentos feitos pelo Valor sobre os temas levantados pela concorrência. Os bancos contestam a visão de que pagam poucos impostos e dizem que as fintechs têm exigências financeiras e de capital menores. Veja a seguir os principais pontos:
Impostos
Os bancos afirmam que, juntando Imposto de Renda (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), pagam alíquota de 45%, acima daquela das fintechs. No ano passado, foram R$ 37,2 bilhões em impostos. Já as fintechs alegam que as instituições tradicionais pagaram “imposto negativo” no ano passado, pois usaram créditos tributários que superam o valor devido ao Fisco. Segundo a Febraban, os créditos tributários se referem a impostos pagos a mais, e por isso não são uma vantagem. O volume desses crédito nos balanços dos cinco maiores bancos somava R$ 282 bilhões em junho, dos quais R$ 147 bilhões referem-se a operações inadimplentes. Como nesses casos o banco pagou imposto sobre um lucro que não se concretizou, ele é restituído. De acordo com a entidade, os créditos não podem ser confundidos com deduções como as que se aplicam à cobrança de juros sobre o capital próprio (JCP) e a algumas despesas de pessoa física.
“Ao contrário do que alguns entendem como benefícios, os créditos tributários representam grande ônus e sobrecarregam as estruturas financeiras dos bancos, pois não podem ser ressarcidos imediatamente e não são remunerados, consumindo capital que seria utilizado para outras operações e gerando altos custos de observância”, diz a Febraban.
Cinco maiores bancos tinham estoque de R$ 282 bilhões em créditos tributários no fim de junho.
O fim do descasamento entre os regimes contábil e prudencial nas provisões de créditos é um pleito histórico do setor. Isso estava previsto no padrão contábil IFRS 9, mas ainda precisa ser regulamentado. Nesta semana, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, defendeu a inclusão dessa mudança na reforma tributária “para eliminar essa distorção de ficar gerando crédito tributário para sempre”.
Questionada sobre os contra-argumentos da Febraban, a Zetta afirmou que não existe favorecimento tributário às fintechs e que olhar isoladamente tributos específicos não conta a história toda. “A Zetta defende a redução de tributos para todos; mas acima de tudo, defende a melhoria dos produtos e serviços oferecidos para o consumidor que é o foco das fintechs e independe do debate tributário”.
Exigências financeiras
Outro ponto de discordância são as diferenças financeiras. Os maiores bancos do país estão sujeitos a exigências adicionais de compulsório, são obrigados a direcionar crédito para setores específicos, como habitação e rural, e a fazer contribuições maiores ao Fundo Garantidor de Créditos (FGC). Já as instituições de pagamento (IP) mantêm recursos aplicados em títulos públicos federais, não têm crédito direcionado e, por não se alavancarem com depósitos dos clientes, têm contribuições menores ao FGC. As fintechs que operam como de sociedade de crédito direto (SCD) e sociedade de empréstimos entre pessoas (SEP) não estão sujeitas a essas regras.
A Zetta alega que, além de não poderem captar depósitos para fazer empréstimos, as fintechs têm de manter 100% dos recursos dos clientes travados em títulos públicos. A associação também diz que os bancos tradicionais são favorecidos porque seus produtos de conta corrente e poupança não são incluídos na matemática da contribuição adicional do FGC. Já as contas de fintechs que oferecem CDBs são. “Portanto, apesar de haver a mesma cobertura para depósitos à vista ou a prazo, apenas depósitos a prazo são considerados para o cálculo da contribuição adicional ao FGC – o que oferece um grande benefício aos bancos incumbentes.”
Os bancos afirmam, por outro lado, que são obrigados a disponibilizar diversos serviços gratuitos aos clientes em especial os de renda mais baixa, incluindo a abertura de conta salário. De acordo com a Febraban, 62% das contas transacionais têm gratuidade de tarifas com serviços por determinação do BC, com custo para os bancos de R$ 7,4 bilhões por ano.
Exigências de capital
Os grandes bancos têm um adicional de capital principal por serem considerados sistemicamente importantes no âmbito doméstico. Há também regras para liquidez de curto prazo, e de longo prazo. Além disso, a Febraban afirma que as instituições de pagamento não alocam capital sobre limites de cartão de crédito da mesma forma que os bancos e possuem requisitos de capital bem menores do que os aplicáveis às instituições financeiras.
As fintechs, por sua vez, reclamam que a única maneira de garantirem liquidez em transferências e em operações via Pix, por exemplo, é mantendo um grande montante de capital parado, sem remuneração. Segundo a Zetta, os bancos têm acesso a linhas de redesconto e outras formas mais baratas de garantir liquidez.
Competição
Os bancos argumentam que arcam com elevados custos de desenvolvimento, manutenção e segurança da infraestrutura do setor, que também pode ser usufruída pelos demais participantes do mercado. Agora, observa a Febraban, o compartilhamento de dados no “open banking” é obrigatório para os maiores bancos. Já no Pix, instituições com menos de 500 mil contas não estão sujeitas aos prazos estipulados pela norma.
A Febraban diz ainda que os bancos têm custos trabalhistas altos e jornadas de seis horas, enquanto outros setores não têm essa limitação. O total de provisionamento para processos trabalhistas é de mais de R$ 35 bilhões. A Zetta não comentou o assunto, mas uma fonte ligada às fintechs avalia que a situação dos bancários é diferente porque lidam com dinheiro e são responsáveis por equalizar as eventuais diferenças nos caixas no fim do dia, além de estarem sujeitos a riscos de assaltos.