https://valor.globo.com/legislacao – 19/07/2021.
*Por Marcos César Amador Alves.
O Poder Judiciário, fora de dúvida, exigirá a efetivação dos fatores ESG por meio de suas decisões.
A sociedade contemporânea vivencia um momento histórico único, o qual enaltece a força intensa e inexorável de movimentos de mudança. Em referido encaminhamento, expressões como empresas e direitos humanos, desenvolvimento sustentável, responsabilidade social empresarial, incentivo ao consumo consciente, impacto social, governança corporativa tornam-se exigências inafastáveis impostas por todos os atores sociais para a performance das empresas.
Não é aceitável que as atividades empresariais sejam exercidas distanciadas dos valores éticos essenciais à humanidade. Neste sentido, a sigla ESG (Environmental, Social and Governance) – ou ASG (Ambiental, Social e Governança) – tem sido disseminada com notável intensidade. Trata-se de uma nova visão que tem avançado em todo o mundo para a estratégia de ação das empresas que passam a incorporar fatores ambientais, sociais e de governança em decisões corporativas, com a intenção de gerar resultados positivos para o desenvolvimento integral da sociedade, promovendo valores sustentáveis que transcendem o lucro isoladamente considerado.
O Poder Judiciário, fora de dúvida, exigirá a efetivação dos fatores ESG por meio de suas decisões.
Evidenciando a singular importância da temática, já é notável, em diferentes países, a eclosão de riscos de litígios envolvendo empresas, decorrentes ou relacionados a fatores ESG. Temos, por exemplo, no âmbito ambiental, questões conexas aos impactos das mudanças climáticas, práticas de gestão ambiental, emissão de carbono, uso racional da água, descarte de resíduos, geração e eficiência de energia. No campo social, destacam-se o respeito a condições justas de trabalho e segurança, diversidade e inclusão, proibição do trabalho análogo ao escravo, afirmação dos direitos humanos.
No que respeita à governança corporativa, apresentam-se obrigações de elaboração e publicação de relatórios corporativos, práticas antissuborno e compliance, prevenção ao abuso de poder financeiro, proteção de dados, defesa do consumidor, conflitos de interesses e deveres fiduciários dos administradores, entre outros.
Mais do que uma mera escolha ou preferência, as empresas, necessariamente, devem agir em estrita e rigorosa consonância com mandatórias exigências ambientais, sociais e de governança. Na União Europeia, novas legislações em elaboração ou já em vigor, como no caso da França, passam a exigir a plena conformidade aos fatores ESG, impondo às empresas a obrigação de divulgar publicamente relatórios que expressem a observância e a efetivação dos direitos humanos em suas atividades, possibilitando, aos indivíduos e às organizações, valerem-se de medidas judiciais que obriguem a cessar condutas violadoras, mudar comportamentos ou compensar financeiramente os atingidos.
O denominado “risco ESG” começa a ser amplamente percebido. A partir da edição e publicação de relatórios de conformidade com os fatores ESG, medida imposta pelas legislações, por regulamentos ou por exigências de investidores e do mercado, as empresas, ao tempo em que se tornam mais transparentes, também passam a ser processadas judicialmente em razão das informações divulgadas – especialmente se forem falsas, incompletas ou enganosas -, dos compromissos assumidos e, sobretudo, das responsabilidades decorrentes.
O real e efetivo comprometimento das corporações com a materialização dos fatores ESG em suas atividades passa a determinar o cuidadoso gerenciamento dos programas de implementação correlatos, das declarações de compromissos adotados e, com maior intensidade, do sistema de gestão e monitoramento de performance ESG.
As empresas são autorizadas a se constituir e a funcionar na medida em que contribuam positivamente para a sociedade, adotando valores e comportamentos sustentáveis. A função transformacional das empresas é essencial. Caso assim não se conduzam, revela-se plenamente lícito condicionar, restringir ou – em último caso – interromper suas atividades.
Os fatores ESG exsurgem como valiosa ferramenta para medir e comprovar o atendimento da finalidade maior enunciada. Em referido sentido, a responsabilização pela falha das empresas em prevenir práticas de corrupção, em elidir contaminações do meio ambiente ou pela constatação de trabalho análogo ao de escravo em suas atividades são exemplos eloquentes os quais podem representar riscos severos à própria existência legal de uma corporação.
Ao Poder Judiciário incumbe a permanente missão de observar atentamente os movimentos de mudança que ocorrem no seio social, com o plexo de valores e princípios que deles exsurge, assim como seus decisivos reflexos para a interpretação e aplicação do Direito, sob pena de incorrer em indesejável distanciamento e reprovável desconexão da sociedade, de nefastos efeitos. Neste sentido, é sempre imperioso relembrar a célebre advertência do jurista francês Georges Ripert: “Quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga ignorando o Direito”.
A Constituição Federal, em seu artigo 3º, define como objetivos fundamentais da República a promoção do bem de todos e a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, capaz de erradicar a pobreza, a marginalização e as desigualdades. O Poder Judiciário, fora de dúvida, exigirá a efetivação dos fatores ESG por meio de suas decisões. Fortalecer o desenvolvimento civilizatório para erigir uma sociedade com espeque na sustentabilidade significa tutelar valores dotados de verdadeiro sentimento de justiça, os quais merecem ser exaltados em cada uma das decisões judiciais proferidas.
*Marcos César Amador Alves é desembargador federal do trabalho (TRT da 2ª Região), mestre e doutor em Direito do Trabalho (USP) e titular da Academia Paulista de Direito do Trabalho.
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações.