https://valor.globo.com/legislacao – 07/06/2021.
Por Edison Fernandes (Professor doutor da FEA-USP, do CEU-IICS Escola de Direito e da FGV Direito SP, titular da Academia Paulista de Letras Jurídicas).
O marco regulatório do direito contábil de 2007 não pode ser ignorado na determinação do momento de reconhecimento de créditos fiscais.
Resolvida (aparentemente) a chamada “tese do século”, as atenções devem se voltar a questões relacionadas à decisão final. Neste artigo, trato do momento de reconhecimento dos créditos fiscais decorrentes da exclusão do ICMS da base de cálculo de PIS/Cofins Em outras palavras: quando os créditos fiscais assegurados pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a matéria devem repercutir no patrimônio da pessoa jurídica contribuinte.
A recuperação dos valores indevidamente recolhidos no passado está, na sua imensa maioria, dependente do ajuizamento de medida judicial. Isso decorre especialmente da modulação definida pelo próprio STF.
Assim, é imediatamente lembrado o Ato Declaratório Interpretativo (ADI) da Receita Federal n° 25, de 2003. Nesse ADI, a autoridade fiscal manifesta-se no sentido de que “pelo regime de competência, o indébito passa a ser receita tributável do IRPJ e da CSLL no trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído” (artigo 5°).
No entanto, o marco regulatório do direito contábil brasileiro foi alterado em 2007. Portanto, posteriormente ao referido ADI, havendo a atualização do entendimento sobre o “regime de competência”, o que não pode ser ignorado no processo de reconhecimento do indébito tributário verificado com a decisão sobre a exclusão do ICMS da base de PIS/Cofins.
De acordo com as normas juscontábeis atuais, o ativo somente deve ser reconhecido quando certo (item 4.13 da Estrutura Conceitual para Relatório Financeiro), o que implica confiabilidade na sua recuperação (benefício futuro, conforme item 4.4 da mesma Estrutura Conceitual). Considerando os procedimentos administrativos para que a pessoa jurídica contribuinte obtenha os benefícios futuros de uma decisão judicial favorável em matéria tributária, é comum que a certeza do ativo não esteja no trânsito em julgado.
Após o trânsito em julgado da decisão judicial favorável, determinando o direito à recuperação do indébito tributário, o crédito fiscal deve ser habilitado e depois submetido aos trâmites da declaração de compensação, cuja homologação deve ocorrer em até cinco anos. Concomitantemente, a partir do trânsito em julgado, inicia o (questionável) prazo de cinco anos para que a pessoa jurídica do contribuinte utilize o crédito fiscal. E isso se não ocorrer a opção pela emissão do precatório.
Verifica-se, então, que o ativo oriundo do indébito tributário, para se tornar líquido e certo, deve superar as “barreiras” da comprovação do recolhimento a maior, da habilitação, da homologação e do lapso temporal. Com isso, nota-se que o trânsito em julgado nem sempre traz a certeza necessária ao reconhecimento do ativo decorrente da decisão judicial em matéria tributária (conquanto essa avaliação dependa do julgamento da administração da pessoa jurídica contribuinte, o que pode gerar situações distintas).
Some-se a essas circunstâncias, o fato de que o mencionado ADI expressamente faz referência ao “trânsito em julgado da sentença judicial que já define o valor a ser restituído”. Em muitos casos, a sentença judicial não define, desde logo, o valor a ser recuperado pela pessoa jurídica contribuinte.
Em conclusão, o reconhecimento do ativo decorrente do indébito tributário, tanto para efeitos contábeis como para a incidência dos tributos sobre o lucro (IRPJ/CSLL), depende da situação específica de cada pessoa jurídica contribuinte e, como ocorre com a definição de outros registros nas demonstrações contábeis, dependerá da avaliação da sua administração.