https://valor.globo.com/legislacao/noticia – 23/10/2020
Por Maristela Rossetti.
O desempenho é entendido como um retorno abarcando valores outros que garantam resultados sustentáveis à empresa.
A pandemia causada pela Covid-19 afetou não apenas a economia, mas também diversas dinâmicas sociais, políticas e culturais do Brasil e do mundo.
A adoção do confinamento como uma das principais estratégias de combate à disseminação do vírus trouxe à tona diferentes questões estruturais. Essas questões demandaram, além de reformas promovidas por diferentes governantes em caráter de urgência, mudanças profundas nos ambientes empresarial, pessoal e profissional.
O desempenho é entendido como um retorno abarcando valores outros que garantam resultados sustentáveis à empresa.
A capacidade de se reinventar e se adaptar foi posta à prova e mostrou-se essencial neste novo contexto, principalmente no meio corporativo. Na medida em que a crise sanitária evoluía, exigiu de diversos atores econômicos o estabelecimento quase que imediato de novas dinâmicas a fim de viabilizar a continuidade dos negócios, forçando empresas a aceitar soluções digitais e remotas para elaboração de estratégias e processos decisórios, dentre essas, tornando possível o trabalho à distância.
Aos desafios sem precedentes enfrentados pelo mundo empresarial veio, portanto, somar-se um fator incontornável: a massa de consumidores que perdeu subitamente (ou teve severamente debilitado) seu poder de compra. As pessoas tiveram de enfrentar o desemprego, cortes salariais ou da jornada, condições de trabalho mais difíceis e desafiadoras. O impacto no empreendedorismo é evidente.
Diante desse cenário, nunca antes as empresas, principalmente as pequenas e médias, necessitaram tanto ter acesso a recursos financeiros (para preservar caixa, honrar compromissos e, acima de tudo, garantir a viabilidade e sobrevida das empresas, preservando emprego e renda), demandando não só a criação de linhas de crédito, como também, exigiu do meio jurídico a estruturação das ferramentas legais para sua efetividade e segurança.
Além disso, a governança corporativa ganhou papel ainda mais fundamental nas organizações, uma vez que estas tiveram que se manter prontas para alinhar e manter regras hígidas de transparência em todas as suas relações, antes repleta de contato humano, e agora, predominantemente distante fisicamente.
A ideia que rege o estabelecimento de uma governança corporativa é de que a estrutura beneficia a própria empresa, seus sócios, funcionários, consumidores e o arcabouço institucional como um todo. O equilíbrio entre os quatro pilares das boas práticas de governança – a transparência, a equidade, a prestação de contas e a responsabilidade corporativa – precisa ser mantido, principalmente em momentos críticos como o atual.
Isso porque qualquer assimetria pode levar a uma insegurança estrutural, afetando não apenas os atores envolvidos, mas o próprio contexto no qual as regras de governança se inserem.
Além disso, é importante salientar que outros fundamentos têm sido acrescentados, pela prática corporativa, a esses princípios básicos – como a gestão de riscos, o ativismo do investidor, o engajamento do acionista, a imposição de limites, o alinhamento de condutas, a ética e a responsabilidade socioambiental. O que se nota em relação a essa novidade é que esses princípios costumam ser tratados como conceitos abstratos, ou seja, não há ainda uma previsão unívoca no sentido de ajustar os regramentos e garantir o seu cumprimento.
Outra reflexão recente é sobre a noção de business purpose (finalidade da empresa). Se, tradicionalmente, os objetivos da governança corporativa eram centrados nos interesses dos acionistas e na maximização do seu retorno financeiro, esse escopo focado exclusivamente no lucro evoluiu.
Antes mesmo da pandemia, já estava em ascensão um movimento denominado ESG (Environmental, Social and Governance), que defende a inclusão de fatores associados à preservação ambiental e práticas de inclusão social como parte dos objetivos da empresa.
Nesse sentido, a pandemia pode ser vista como catalisadora de um processo interno a uma estrutura específica. Se a governança é “tailor-made”, isto é, adaptada a uma realidade singular, as regras de governança desenvolvidas no contexto da situação sanitária poderiam refletir o diagnóstico estrutural de um sistema.
Com a disseminação do trabalho à distância, a tecnologia abriu espaço para novas formas de contratação, impactando o mercado de trabalho. É demandado dos funcionários adaptação e resiliência, mas não se pode esquecer que, durante a pandemia, os relatos de solidão, estresse e deterioração da saúde mental abundaram.
Cabe à empresa reforçar, à distância, um acompanhamento hierárquico e um treinamento adequado, o referencial ao seu código de conduta, a clareza quanto à autonomia de cada funcionário e o acesso aos canais de denúncia ou ao comitê de ética, bem como um canal de comunicação claro e direto.
O papel assumido pela inovação é vital neste momento. Não tanto pelas transformações em si, mas pela velocidade de sua implantação. A capacidade de adaptação rápida de uma empresa passa a ser um ativo extremamente valioso. Quanto mais ágeis, efetivas e desburocratizadas as alternativas, maior a responsabilidade da companhia.
A convergência de interesses não está mais limitada ao retorno financeiro da empresa, mas isso não significa que a empresa precise, no “novo normal”, abdicar do lucro. O desempenho é, aqui, entendido como um retorno abarcando valores outros – além do financeiro – que garantam resultados sustentáveis à empresa e ao seu entorno.
Maristela SA Rossetti é sócia do Rossetti Advogados, mestre (LL.M.) pela University of Pennsylvania School of Law, Philadelphia, PA, EUA, conselheira, ex-presidente e associada fundadora do Instituto de Direito Societário Aplicado (IDSA), conselheira da OAB-SP (2019-2021) e presidente da Comissão Permanente de Orçamento e Contas da OAB-SP (2019-2021).
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