https://economia.estadao.com.br/-19/10/2020.
Por Fernanda Guimarães e Cynthia Decloedt.
Queimada nas terras do produtor José Silva de Souza em Santo Antonio do Matupi, sul do Amazonas. O local foi atingido por um incêndio provocado FOTO GABRIELA BILO / ESTADAO.
Um amplo movimento engatado pelos bancos centrais pela Europa, que passarão a fazer testes de estresse para identificar vulnerabilidades em relação às mudanças climáticas, têm potencial de jogar ainda mais luz em como os bancos em todo o mundo, incluindo os brasileiros, estão lidando com esses riscos e como farão para reduzir – com a missão de zerar – a pegada de carbono de seus portfólios de crédito. Embora não seja um assunto novo no sistema bancário mundial, a onda verde começa a ficar mais palpável e já atinge instituições que foram obrigadas a olhar mais para o tema.
Há dez dias, por exemplo, o gigante norte-americano JPMorgan Chase informou que tirará de sua carteira de financiamento combustíveis fósseis, depois de anos de pressão de acionistas e ambientalistas. Seus clientes do setor de petróleo, gás, energia elétrica e automotiva foram avisados que precisão reduzir emissões até 2030, sob a ameaça de cortar de sua exposição as companhias que não estiverem alinhadas ao Acordo Climático de Paris.
Por aqui, o assunto também não é novo e os três grandes privados brasileiros têm sido mais vocais sobre a questão climática. Enquanto inicialmente o assunto era tratado somente internamente pelas instituições, nos últimos anos as questões ASG – ambiental, social e de governança – passaram a ganhar mais força dentro da análise de crédito dos ‘bancões’ para finalmente restringir o dinheiro para empresas que causam o desmatamento, por exemplo.
Agora, um outro passo vem com o empurrão do Banco Central (BC) e sua agenda de sustentabilidade ambiental para o Sistema Financeiro Nacional, fazendo com que os bancos busquem melhorar sua capacidade de fiscalização para enxergar, na hora de conceder crédito, toda a cadeia de fornecimento de uma empresa. No final do dia a expectativa é de queda dos níveis de desmatamento, algo pelo qual o Brasil tem sido cobrado.
“A avaliação de risco sócio-ambiental já é maduro nas grandes instituições”, afirma Annelise Vendramini, coordenadora do Programa de Pesquisa Finanças Sustentáveis no Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV. Ela destaca que esse assunto começou a amadurecer em 2008, quando o BC publicou o manual de crédito rural. “O atual movimento dos grandes bancos é um passo a mais nessa caminhada que elas já vêm tendo”, diz.
Lá em 2008, o Conselho Monetário Nacional (CMN) criou a Resolução 3545, uma medida para condicionar a concessão de crédito rural na Floresta Amazônica, colocando a necessidade de adequações legais e restrições ambientais para a obtenção de crédito. Por trás já estava a política para investigar o relacionamento entre crédito e desmatamento. E o impacto dessa medida já tem números provando sua eficácia: no período entre 2008 e 2011, devido à mudança na política de créditos, aproximadamente R$ 2,9 bilhões deixaram de ser emprestados a investidores rurais. O estudo calcula que, no mesmo período, a resolução tenha evitado o desmatamento em 2,7 mil km² na Floresta Amazônica, segundo estudo conduzido pelo Climate Policy Initiative Rio de Janeiro (CPI-RIO).
“O clima é um risco e precisa ser endereçado a evitar a desestabilização no nosso sistema”, afirma a especialista em direito ambiental da Stocche Forbes, Caroline Prolo. Segundo ela, a movimentação hoje é maior e um dos ganhos, que vai ajudar a maior fiscalização por conta da criação de um banco de dados, num formato de open banking, em que os dados dos clientes ficam abertos para consulta por diferentes instituições financeiras.
A restrição de crédito a empresas que não estejam alinhadas com os propósitos de sustentabilidade ambiental, social e na condução correta de seu próprio negócio, é um tema delicado para instituições, que por anos tiveram suas concessões de crédito livres de tais limites. Especialmente porque esbarra em lucro e retorno, ao implicar dizer não a um cliente que normalmente não consome somente a linha de crédito da instituição financeira, mas outros serviços e produtos. Haja vista que o engajamento amplo das instituições e do mercado financeiro de modo geral é recente e na esteira do acordo climático para emissão de gás efeito estufa e das autoridades reguladoras.
A agência de classificação de risco Fitch nota, por exemplo, que os testes de estresse relacionados à mudanças climáticas que estão sendo gestados na Europa podem ter impacto nos níveis de exigência de capital dos bancos. Segundo a Fitch, os reguladores bancários da França e do Reino Unido serão os primeiros a exigir testes de estresse para mudanças climáticas, com o que terão uma visão de como os riscos climáticos podem elevar outros tipos de riscos, como de crédito, mercado e de reputação.
“Embora os testes de estresse da França e Reino Unido formalmente não irão testar a adequação de capital dos bancos, esperamos que os riscos das mudanças climáticas acabem impactando nas exigências prudenciais de capital em toda a Europa”, diz a Fitch. A agência diz ainda que o Banco Central Europeu (BCE) está orientando os grandes bancos para que incorporem os riscos climáticos nas avaliações de adequação de capital e que a Autoridade Bancária Europeia considera incluir o risco climático nos testes de estresse do ano que vem.
Por enquanto, não existe indicação de que os reguladores norte-americanos ou brasileiros adotarão testes de estresse aos riscos de mudanças climáticas sobre o portfólio das instituições que estão sob suas respectivas supervisões. Mas muitas das instituições que operam na Europa, têm presença também em outras jurisdições, o que, potencialmente pode as obrigar a estender essa análise as carteiras que carregam em outros países. Esse tipo de influência já acontece do ponto de vista de outras questões regulatórias, que muitas vezes obrigam bancos a replicar práticas ou mudar seus negócios em outros países nos quais operam.
Esta reportagem foi publicada no Broadcast+ no dia 16/09/2020 às 18:00:06 .
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