https://valor.globo.com/legislacao – 01/09/2020.
Por Thais Folgosi Françoso e Carlos Borgui Plá.
A crise aumentará expressivamente o número de executivos fiscais, o que exigirá uma atuação bastante proativa do contribuinte.
No fim do mês de agosto, seriam encerrados os testes do novo Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud), que substituirá o atual sistema eletrônico de penhora de ativos financeiros on-line (Bacen Jud 2.0).
Na prática, o novo sistema permitirá a realização de bloqueios, desbloqueios, transferências de recursos ao Judiciário, pesquisas de dados pessoais e informações sobre ativos existentes perante instituições financeiras de forma mais célere e eficiente, já que será totalmente eletrônico, sem a necessidade de preenchimento manual, como ocorre no Bacen Jud 2.0.
A crise aumentará expressivamente o número de executivos fiscais, o que exigirá uma atuação bastante proativa do contribuinte.
Evidente que o novo sistema trará reflexos para os processos judiciais das mais variadas áreas do direito, mas os processos tributários e, especialmente, os executivos fiscais, devem ser fortemente impactados pela nova sistemática.
Segundo dados do CNJ, obtidos no relatório anual “Justiça em Números – 2019”, as execuções fiscais representam hoje 73% do estoque de dívidas e são responsáveis pela alta taxa de congestionamento do Judiciário, já que representam 39% do total de “casos em que o Judiciário esgotou os meios previstos em lei e ainda assim não houve localização de patrimônio capaz de satisfazer o crédito, permanecendo o processo pendente”.
Como se sabe, a penhora eletrônica já é largamente utilizada pelo Fisco, inclusive nas fases iniciais do processo, haja vista a manifestação do STJ, em recurso repetitivo, que dispensou o prévio exaurimento de diligências extrajudiciais para utilização do sistema Bacen Jud (Tema 425). Com a implementação do Sisbajud, a medida será ainda mais utilizada pelas autoridades fazendárias e, certamente, trará eficiência aos processos de execução fiscal, já que a morosidade do sistema também é medida utilizada por alguns devedores para dificultar o acesso aos ativos eventualmente existentes.
Vale lembrar, entretanto, que o posicionamento mais agressivo das autoridades fazendárias nos processos executivos, corroborado à forma como vem se consolidando a jurisprudência, especialmente com relação aos aspectos processuais da atribuição de responsabilidade tributária para sócios e administradores no curso de executivos fiscais, exigem um olhar cauteloso e atento sobre o uso e a aplicação dessas penhoras e bloqueios no novo sistema Sisbajud.
Inicialmente, é importante lembrar que, a grande maioria dos tributos são hoje sujeitos ao lançamento por homologação, modalidade na qual o próprio contribuinte apura e declara os valores devidos, que ficam sujeitos à posterior homologação da autoridade fazendária. Nesse sentido, eventual inadimplência, após a declaração dos valores, dispensa a tramitação de processo administrativo de cobrança, o que significa dizer que eventual inadimplência tributária rapidamente se transforma em um processo executivo fiscal. O tema inclusive já foi sumulado pelo STJ (Súmula 436).
Nesse cenário, quando não encontrados ativos das pessoas jurídicas para satisfação do crédito tributário, vê-se um aumento significativo do redirecionamento de dívidas tributária para sócios e administradores no curso do executivo fiscal, sem que, de fato, tenham sido apuradas as eventuais responsabilidades, nos termos previstos nos artigos 134, 135 ou 124 do Código Tributário Nacional (CTN).
Em julgamento recente, para essas situações, o STJ afastou a necessidade de instauração do incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) previsto no Código de Processo Civil (REsp 1786311), especialmente quando o pedido é fundamentado nos artigos 124, 134 ou 135 do CTN. Por isso, o redirecionamento da dívida para sócios ou administradores, no curso do executivo fiscal, pode desencadear bloqueios ou penhoras, sem que ocorra a devida apuração de suas responsabilidades.
Não há dúvidas que o novo Sisbajud aprimorará o processo judicial e garantirá maior eficiência aos executivos fiscais, além de também favorecer os contribuintes nos casos de liberação de valores bloqueados em montante superior ou impenhoráveis. No entanto, a medida deve ser utilizada dentro das diretrizes constitucionais e processuais, com a garantia do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não permitindo uma utilização arbitraria pelas autoridades fazendárias.
A crise econômica gerada pela covid-19 aumentará expressivamente o número de executivos fiscais, o que exigirá, do lado dos contribuintes, uma atuação bastante proativa, inclusive sobre temas já enfrentados pelo Judiciário, como o cabimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica em matéria tributária, por exemplo, principalmente para que não se admita que o novo Sisbajud seja medida coercitiva para satisfação do crédito, com constrição do patrimônio de sócios ou administradores.
Thais Folgosi Françoso e Carlos Borgui Plá são, respectivamente, sócia no FF Advogados e professora do Insper; e advogado no FF Advogados
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações