valor.globo.com – 22/01/2020.
Por Filipe Lovato Batich.
Colaboradores de níveis hierárquicos mais baixos também podem ser sujeitos a uma responsabilidade criminal por omissão.
A partir do segundo semestre, quem atua no mercado de valores mobiliários, em especial as pessoas jurídicas, deverá por em prática uma robusta política de Combate a Lavagem de Dinheiro e Financiamento ao Terrorismo (CLDFT), como disposto na Instrução Normativa 617/19, recentemente aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Acesse o link: http://www.cvm.gov.br/export/sites/cvm/legislacao/instrucoes/anexos/600/inst617.pdf
A Instrução Normativa 617/19 inova ao propor uma sólida política de CLDFT às instituições ao demandar a constante identificação, análise e mitigação de riscos tanto nas suas atividades, produtos, clientes (Investidores), funcionários (incluindo-se seus administradores) e prestadores de serviços quanto na busca de identificação dos beneficiários finais das operações – como preconizam as 40 recomendações do Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo (GAFI), organismo intergovernamental criado para desenvolver políticas sobre essa temática.
Colaboradores de níveis hierárquicos mais baixos também podem ser sujeitos a uma responsabilidade criminal por omissão.
Porém, ao tratar dessa nova visão de CLDFT, a Instrução Normativa 617/19 impõe uma reestruturação da governança de órgãos e indivíduos da alta e baixa administração das pessoas jurídicas que atuem no mercado mobiliário, impondo a definição dos papéis e atribuição de responsabilidades dos integrantes de cada nível hierárquico, podendo gerar responsabilidade inclusive de natureza criminal aos indivíduos diretamente responsáveis pelo seu cumprimento.
Dentro de uma sistemática hierárquica, as pessoas jurídicas que atuem no mercado mobiliário precisarão designar um diretor estatutário responsável pelo compliance referente às disposições da Instrução Normativa 617/19, não podendo existir conflito de interesse relacionado à atividade de CLDFT com outras áreas de atuação que esse diretor possa estar vinculado.
Dentre as atribuições dessa nova diretoria, destaca-se a elaboração de um robusto relatório anual relativo à avaliação sobre os riscos de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo, com a identificação e a análise das ameaças envoltas em toda a cadeia de atividades da instituição, incluindo colaboradores e prestadores de serviços. Além da análise dos perigos existentes, o relatório deverá conter indicadores de efetividade das medidas e as providências adotadas para a mitigação de riscos, devendo também prever o impacto de novas tecnologias no CLDFT.
Por sua vez, caberá à alta administração a aprovação e a adequação da política de CLDFT e o plano de mitigação de riscos propostos pelo diretor, bem como a aprovação do relatório anual e adoção de medidas contínuas de acordo com seu porte, sempre devendo zelar pela independência do diretor responsável pelo CLDFT.
Assim, no nível da alta administração da pessoa jurídica que opere no mercado mobiliário, com a Instrução Normativa 617/19 tem-se uma clara atribuição legal a um determinado diretor, que deverá zelar pela observância da política de CLDFT. Caso ocorra algum ato omissivo, como a não observância intencional aos padrões mínimos dispostos na própria Instrução Normativa 617/19 e disso resulte ato de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo, além das sanções administrativas, esse indivíduo pode também ser sancionado criminalmente, com fundamento no conteúdo artigo 13, § 2º do Código Penal.
O mesmo pode ocorrer com os membros da alta administração de instituições que operem no mercado mobiliário, quando não implementarem, de forma justificada, as medidas apontadas para a mitigação de riscos ou que de certa forma não permitam que o diretor responsável pelo CLDFT exerça suas atribuições de forma eficaz e, dessa omissão, tenha-se um ato de lavagem de dinheiro ou de financiamento ao terrorismo, permitindo que a instituição seja utilizada como uma ferramenta para a consecução da conduta criminosa.
Não obstante isso, colaboradores de níveis hierárquicos mais baixos também podem ser sujeitos a uma responsabilidade criminal por omissão aos seus deveres de CLDFT. Isso porque a Instrução Normativa 617/19 dispõe que quem tiver relacionamento direto com o investidor, por exemplo, será responsável pelo seu cadastro e identificação dos beneficiários finais das operações, devendo validar as informações obtidas e o continuo monitoramento das operações realizadas pelo investidor e seus possíveis beneficiários, não podendo, inclusive, aceitar ordens de movimentação e clientes com cadastro desatualizado.
Logo, o colaborador responsável pelo relacionamento com o cliente que facilite a realização e operação de lavagem de dinheiro ou financiamento ao terrorismo pela omissão intencional aos seus deveres legais, pode ser responsabilizado criminalmente nos mesmos moldes da aludida responsabilidade que a alta administração passa a correr.
Portanto, a Instrução Normativa 617/19, em especial ao delimitar a governança interna sobre deveres de CLDFT dentro de instituições que operam no mercado mobiliário, acabou também por delimitar eventual responsabilidade criminal dos indivíduos responsáveis pelo seu cumprimento quando eles forem omissos em seus deveres.
Filipe Lovato Batich é advogado no Madrona Advogados, mestre em Direito Penal pela USP
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