valor.globo.com – 17/09/2019.
Por Helder Galvão.
A proliferação de microinvestidores de risco, portanto é saudável para o mercado, tornando a cadeia fértil na medida em que o acesso ao capital será menos escasso ou concentrado.
O anúncio de mais uma startup brasileira, a Quinto Andar, na captação de milhões de dólares de fundos de investimentos agitou o mercado. As altas cifras chamam a atenção, afinal, no Brasil, o acesso ao capital de risco não é tão abundante como em outros mercados já consolidados.
A expressividade do aporte representa o tripé clássico desse segmento, ou seja, estágio avançado e maduro da empresa, crescimento exponencial e expectativa de retorno rápido.
A proliferação de microinvestidores de risco é saudável para o mercado, tornando a cadeia fértil, pois o acesso ao capital será menos escasso
Mas esse é o topo da pirâmide. No centro dela, proliferam startups nacionais promissoras, que ainda não atingiram tamanho grau de atratividade e, logo, não são vistas pelos grandes fundos de investimentos.
É daí que entram os microcapitalistas de risco. Essas startups ainda não atingiram um patamar de tração e faturamento ao ponto de partirem para uma primeira rodada de captação – a chamada Série A – mas, ao mesmo tempo, já evoluíram do investidor primário, tido como anjo e do próprio capital semente.
Como lembra Greg Kelly, da plataforma de financiamento coletivo Eqseed, o percurso natural de uma startup, ou seja, a cadeia de acesso ao capital ou o caminho do dinheiro pós capital semente, é pelo investimento Série A. O que normalmente acontece em um patamar de captação de R$ 2 milhões em empresas avaliadas a partir de aproximadamente R$ 10 milhões.
O microcapital de risco, portanto, ocupa uma faixa anterior, uma vez que as startups ainda não atingiram uma valorização naquele patamar, mas ao mesmo tempo já superam o perfil do capital semente.
Do ponto de vista jurídico, as vantagens do microcapital de risco partem do pressuposto de que o capital social não será tão pulverizado se a startup ainda buscar captar recursos por meio de investidor-anjo ou capital semente, uma vez que o aporte financeiro destes é limitado a determinado valor e, por consequência, em menor aquisição da parcela societária.
Assim, quanto mais investidores deste tipo, mais sócios pertencentes ao quadro societário. Ao contrário, pois, do que seria de um investidor um pouco mais robusto, o próprio microinvestidor.
Têm-se, ainda, que o microinvestidor de risco, por natureza, não tem tanta ingerência no cotidiano da sociedade, em oposição ao investidor-anjo, conferindo, assim, mais liberdade para os fundadores tocarem o negócio, inclusive com o seu próprio estilo, até porque, geralmente, o microinvestidor de risco costuma ser composto por empresários bem-sucedidos ou que avançaram no perfil de investidor-anjo.
Por outro lado, o ingresso de um microinvestidor de risco funciona como porta de entrada para o próprio fundo de venture capital, tendo em vista a premissa lógica de que o aporte daquele se deu mediante uma diligência prévia, ou seja, a própria startup estará apta a receber recursos de terceiros oferecendo uma margem razoável de segurança jurídica e de que mantém uma governança ativa e organizada.
Naturalmente que a aposta deste microinvestidor de risco representa alguns afagos, afinal acredita-se em uma startup sem faturamento significativo ou cujo “product market fit” ainda não emplacou. Daí que será razoável propor um direito de preferência na participação em futura rodada de captação Série A e concedendo-se, até mesmo, uma margem de desconto na aquisição do capital social da startup nessa rodada, mediante um teto de valorização.
Outro, digamos, gesto cativo, será blindá-lo com um pacto de não diluição na ocorrência de ingresso de novos investidores ou assegurar um assento fixo na formação de um conselho. As variações são múltiplas e criativas, sempre de modo a atrair esses micros investidores.
Segundo cita João Kepler, um dos pioneiros do segmento no país, existem alguns micros investidores de risco especializados em enxergar boas oportunidades, voltados para determinados nichos ou iniciativas de impacto, reforçando esse caráter distintivo de atuação. São exemplos da Urban.Us, cujo foco são as startups que tornam a cidade melhor, a Bolt, que busca startups focados em hardware, a Boldstart, somente interessados em oportunidades de softwares empresariais, a Learn Capital, concentrada em oportunidades de educação, e assim por diante.
Outras startups, que hoje já atingiram um grau de boa fama e faturamento, chegando até mesmo a ofertar ações publicamente, valeram-se de microinvestidores de risco lá atrás, como o próprio Uber e o AirBnB.
A proliferação de microinvestidores de risco, portanto, ainda mais no Brasil, é saudável para o mercado, tornando a cadeia fértil na medida em que o acesso ao capital será menos escasso ou concentrado. Sai de cena também o fetichismo de grandes operações ou cifras e entra em cena o minimalismo envolvendo startups promissoras e investidores ou fundos com menor poderio financeiro.
Do ponto de vista jurídico, uma excelente oportunidade de estruturação da startup visando uma próxima rodada de captação. Uma espécie, como diriam os franceses, de “amuse-bouche”.
Helder Galvão é advogado, doutorando e mestre pelo Instituto de Economia da UFRJ, cofundador do Nós 8 e professor na FGV Rio.
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