www.valor.com.br – 11/09/2019.
Editorial – Valor.
Com a maior despesa pública, a previdência social, agora caminho de um crescimento suave, e não explosivo, o governo terá de encontrar uma solução para o segundo gasto que mais pesa no orçamento – a folha de pagamentos. Não se trata apenas de equação urgente para reduzir os déficits fiscais. É também uma questão de eficiência – a avaliação dos usuários sobre os serviços que o Estado presta é muito negativa – e de justiça social. Os servidores públicos, na média, ganham mais de 50% acima da média dos trabalhadores privados, já considerado o grau de instrução e funções, e têm benefícios que os demais, que lhes pagam os salários, não possuem. São praticamente indemissíveis e várias categorias usufruem de uma série de penduricalhos que engordam substancialmente seus vencimentos.
Além disso, a baixa produtividade média geral dos funcionários do Estado pesa bastante na baixa produtividade do país. A grosso modo, uma em cada cinco pessoas empregadas no setor formal trabalhava em algum emprego em que a União, Estados e municípios eram os contratantes em 2015.
As várias dimensões da questão precisam ser abordadas em conjunto. A primeira delas, a fiscal, exige uma resposta mais imediata, já que o teto de gastos, testado pelo avanço das despesas obrigatórias, que expulsa as discricionárias – e aniquila os investimentos públicos – precisa ser mantido e aperfeiçoado. O governo tende a reparar agora uma falha no dispositivo, não percebida no início, de que é impossível acionar os gatilhos que permitiram que o teto não desabe, já que a peça orçamentária tem ela própria de respeitá-lo. Uma PEC, de autoria do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ) procura abrir esse caminho, que seria pavimentado pela possibilidade de reduzir a jornada e os salários dos servidores, suspender o abono salarial, pelo lado das despesas, e reduzir benefícios fiscais e aumentar a alíquota do INSS, pelo das receitas (O Globo, 7 de setembro).
A PEC em tese resolverá o problema para o qual a lei de responsabilidade fiscal buscou a solução e foi barrado pela Justiça. O Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional medidas de correção previstas na lei que estabeleciam os pontos agora considerados, como redução de salários e jornada.
A aprovação da PEC seria apenas parte de uma solução provisória para a questão dos gastos com pessoal. O governo precisa realizar uma reforma administrativa séria, para além das dificuldades conjunturais. Há propostas conhecidas que deveriam ser aproveitadas, como as feitas por Ana Carla Abrão, Armínio Fraga, ex-diretor do BC e Carlos Sundfeld, em estudo para a consultoria Oliver Wyman.
O diagnóstico parte de números conhecidos, como os elaborados pela OCDE e o Banco Mundial. O Brasil, entre os emergentes, é o que mais gasta com o funcionalismo, depois da África do Sul. Ainda que essa despesa avance em ritmo menor que a da previdência, em termos reais cresce mais do que as receitas públicas (56% ante 42% entre 2003 e 2016). Em todas as esferas (União, Estados e municipios), incluindo benefícios, essa rubrica soma 13,3% do PIB, maior até que os 10,4% dos países desenvolvidos. A folha de pagamentos do setor público na União encosta nos 40% da receita corrente líquida – nos Estados é muito superior e contam-se nos dedos aqueles que se mantiveram nos limites fixados pela LRF.
Consertar as deficiências é uma batalha política séria, que precisa ser travada. Racionalizar a máquina pode ser o primeiro passo. O estudo aponta a existência de 309 carreiras na União, mais de 100 nos Estados e pelo menos 40 nos municípios. Cada uma delas é regida por dispositivos legais próprios, criando uma Babel cujos efeitos são a garantia inamovível de benefícios e vantagens.
Promoções e aumentos salariais ignoram o mérito. A avaliação do desempenho é inexistente ou pró-forma, enquanto que a escala de vencimentos parece, para quem não trabalha para o Estado um paraíso: há promoções e progressões automáticas. Esse ponto é particularmente importante. O mau desempenho é um dos poucos motivos pelos quais um servidor pode ser demitido e não é levado a sério. A estabilidade, que está no centro dessas questões, é outro. O estudo não a menciona, mas ultrapassar os três primeiros anos na carreira garante, no esquema vigente, uma vida profissional sem sobressaltos. É importante elevar a barreira probatória e restringir a estabilidade só a carreiras típicas de Estado, o que não é feito e precisaria ser.