Por Douglas Mota – 01/04/2014 às 05h00.
Assunto que tem despertado grande interesse das empresas nos últimos anos, principalmente em razão da possibilidade de economia no investimento em infraestrutura, é o uso do que se convencionou denominar “cloud computing”. E como não poderia deixar de ser, o poder público está pronto para iniciar a arrecadação de tributos.
Especificamente quanto ao Imposto Sobre Serviços (ISS), os municípios iniciaram sua cruzada para exigir tal tributo, o que parece ocorrer sem um norte legislativo, já que não haveria base legal para tanto.
Quanto à definição do que vem a ser “cloud computing” é necessário reconhecer que a legislação brasileira é omissa sobre tal assunto. Possivelmente, este seja o motivo do Projeto de Lei nº 5.344, de 2013, o qual, sem conotação tributária, terá a função de dispor sobre diretrizes gerais e normas relacionadas à atividade.
Alguns municípios têm agido no intuito de impor a cobrança de ISS sobre tal atividade, o que nos parece equivocado
De todo o modo o termo cloud computing (i.e. em tradução livre, computação na nuvem) tem sido definido pela doutrina especializada como a utilização da memória e das capacidades de armazenamento e cálculo de computadores e servidores compartilhados e interligados por meio da internet, seguindo o princípio da computação em grade, que consiste em modelo de rede de computadores onde os recursos de cada computador são compartilhados com todos os outros computadores no sistema. Ou seja, o poder de processamento, a memória e o armazenamento de dados se tornam recursos coletivos, onde usuários, que tem autorização para tanto, podem utilizá-los e aproveitá-los para determinadas tarefas.
Atualmente, segundo se extrai de publicações especializadas, a computação em nuvem está em plena expansão e se apresenta em uma diversidade de tipos. Contudo, dessas atividades tidas como cloud computing, talvez a mais disseminada seja a que consiste na disponibilização de espaço de armazenamento em servidores. Nesse caso, o contratante não gerencia nem controla a infraestrutura, porém, tem controle sobre os sistemas operacionais de armazenamento e aplicativos instalados. Por seu lado, o contratado não tem qualquer ingerência sobre o conteúdo dos dados armazenados, já que sua atividade é apenas ceder espaço virtual, cobrando pela capacidade cedida.
Diante disto, há quem sustente que tal atividade não consiste em uma prestação de serviços, mas algo similar à locação, porém, neste caso de espaço virtual. De todo o modo, ainda que não assuma a responsabilidade pela operacionalidade das máquinas virtuais/físicas criadas pelos clientes e muito menos pelos respectivos conteúdos armazenados, o prestador gerencia toda a infraestrutura provendo condições de operacionalidade e segurança.
Desse modo, não se pode negar que a atividade é verdadeiramente um serviço, porém, dai a concluir que esteja sujeito à tributação do ISS não é possível. Entretanto, alguns municípios têm agido no intuito de impor a cobrança de ISS sobre tal atividade, o que nos parece equivocado.
Cabe recordar que, segundo o texto constitucional, a exigência do ISS, de competência municipal, está necessariamente vinculada ao cumprimento de dois requisitos. Primeiramente, a atividade objeto da prestação dever ser caracterizada como um serviço. Ademais, necessariamente deve constar de Lei Complementar, ou seja, atualmente, deve figurar na lista de serviços tributáveis pelo ISS anexa à Lei Complementar nº 116, de 2003.
Cabe lembrar que a Jurisprudência é pacífica no sentido de que a lista de serviços anexa à Lei Complementar é taxativa, comportando, porém, uma interpretação extensiva. Contudo, por mais que seja possível, dentro da taxatividade da lista de serviços tributados pelo ISS, haver interpretação extensiva, ela está limitada a uma interpretação “intra muros”, ou seja, o serviço que se pretende tributar deverá, ainda que não tenha a mesma denominação, reunir as mesmas características daquele incluído na lista de serviços tributáveis pelo ISS.
Da análise da relação anexa à Lei Complementar 116 não parece ser possível identificar alguma delas em que a atividade de cloud computing possa se encaixar. Não por outro motivo é que está em trâmite na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei Complementar nº 171/12, de autoria do Deputado Carlos Bezerra, através do qual se pretende modificar a Lista de Serviços, para incluir o item 1.09 “Computação em nuvem” – definido para tais fins como serviços na internet que não requerem conhecimento, do consumidor, quanto a localização física e configuração do sistema.
O referido projeto foi encaminhado à Comissão de Finanças e Tributação e também à de Constituição e Justiça e de Cidadania, da Câmara dos Deputados. Desde de dezembro 2012, aguarda as respectivas manifestações.
Diante desse fato, a conclusão é que os municípios não estão autorizados a exigir o recolhimento de ISS sobre a atividade de cloud computing, não porque a atividade não reúna características de um serviço, mas sim porque a mesma não consta da lista anexa à Lei Complementar 116.
Se aprovada a inclusão de tal atividade como sujeita ao ISS, é recomendável que o legislador também se preocupe – de forma a evitar eventuais confusões com a aplicação das normas atuais – com a definição do município competente para exigir o tributo. Lembrando que a mais difundida das atividades de cloud computing é exatamente a de cessão de espaço virtual, portanto, não necessariamente a empresa cedente estará no mesmo local do equipamento, podendo, inclusive, estar fora do Brasil.
Douglas Mota é sócio da área tributária do Demarest Advogados
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