Por Beatriz Cutait | De São Paulo – 20/03/2014 às 05h00.
Esqueça as estratégias dos investidores mais admirados no mundo. De nada vai servir aplicar na sua vida as fórmulas que deram tão certo para nomes como Warren Buffett, George Soros ou Peter Lynch. O conselho vem de uma das figuras mais respeitadas do mercado financeiro: o professor de finanças da Stern School of Business, na Universidade de New York, Aswath Damodaran. O indiano, autor dos livros “Mitos do Investimento” e “Valuation – Como Avaliar Empresas e Escolher as Melhores Ações”, defende que as pessoas olhem para si no momento de decidir sobre as melhores aplicações. “Você precisa investir de um jeito que te deixe satisfeito, que faça você feliz”, disse ao Valor.
Em entrevista por telefone, Damodaran ainda falou sobre o mercado brasileiro, disse que não considera a bolsa barata, mas que comprou ações da Vale e da Petrobras no ano passado. O professor também teceu críticas ao modelo de governança de companhias nacionais, ao considerar que elas querem o dinheiro dos investidores, mas não lhes dão ouvidos, o que contribui para a participação ainda pouco expressiva da pessoa física na bolsa. Damodaran, que calcula estar na 20ª visita ao Brasil, vai participar de seminário da HSM nos dias 27 e 28 de março, voltado para 250 executivos que trabalham com valoração de empresas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Valor: Na sua avaliação, o investidor comum tem hoje mais ferramentas disponíveis para avaliar os ativos financeiros, para tomar decisões sobre seu investimento? Até que ponto essas ferramentas têm sido realmente úteis?
Aswath Damodaran: Eles têm mais dados disponíveis e mais ferramentas. As ferramentas estão mais complexas, mas os dados também estão mais complexos. (…) Não acho que investir ficou mais fácil simplesmente porque as ferramentas e as informações ficaram mais disponíveis. Acho inclusive que ficou mais complicado.
Valor: Quais as recomendações que nunca deveriam ser esquecidas na hora de investir?
Damodaran: Você precisa investir de um jeito que deixe você satisfeito, que faça você feliz. Acho que muitos investidores olham para o que as outras pessoas fazem. Eles leem o que Warren Buffett faz, Peter Lynch faz, algum gestor de portfólio de sucesso faz, pensando “eu tenho que ser desse jeito”. Mas eu digo às pessoas que, para ser um investidor de sucesso, quem elas têm que conhecer melhor são elas mesmas. Você tem que saber o que o deixa confortável, o que o deixa desconfortável, o risco com o qual pode conviver, que tipos de investimento são melhores para você. Isso significa que você precisa passar um tempo pensando sobre qual é seu horizonte de investimento e quanto risco você quer tomar, e então formar a estratégia de investimento que melhor se ajusta ao seu perfil.
Valor: Passados mais de cinco anos desde que a crise financeira foi deflagrada, o mercado está mais fácil de ser avaliado? A tarefa de determinar o valor dos ativos está mais simples?
Damodaran: Não é que se tornou mais simples, mas aprendemos a viver no mundo que temos, não no que desejaríamos viver. Em 2009 e 2010, as pessoas continuavam torcendo pelo mundo como era no passado e isso atrapalhou nas soluções para o mundo em que vivemos hoje. Acho que nos acostumamos com a forma como éramos desconectados. Todos reconhecemos que se há uma crise em Xangai, [o mercado de] São Paulo vai cair. Os mercados mundiais estão conectados de um jeito que não pensávamos antes de 2008.
Valor: E as pessoas aprenderam as lições?
Damodaran: Não acho que as pessoas aprendem as lições. Elas aprendem as lições temporariamente, mas garanto que vão esquecê-las em alguns anos. É por isso que temos crises se repetindo.
Valor: Então é só um ciclo?
Damodaran: É um ciclo. Aprendemos e então ficamos muito confiantes, começamos a ficar preguiçosos, e então temos outra crise e prometemos que nunca mais vamos fazer de novo. E isso se repete. É a natureza humana.
Valor: Mas as pessoas estão ao menos mais cientes dos riscos hoje?
Damodaran: Por ora.
Valor: Nós vimos uma forte saída de investidores estrangeiros de mercados emergentes no início do ano. No Brasil, a bolsa caiu mais de 15% no ano passado e recua também neste ano. Esse desempenho reflete os fundamentos das companhias ou está exagerado?
Damodaran: É um efeito misto. Começa no sentido de que, nos mercados emergentes, investidores institucionais estrangeiros tendem a se movimentar em grupo, então a eles é atribuída parte da culpa quando os mercados emergentes caem. Pode não ter relação com os fundamentos, mas sim com o fato de que os investidores estão coletivamente tomando as mesmas decisões. Ao mesmo tempo, em mercados emergentes em especial, investidores e empresas rapidamente tendem a culpar os investidores institucionais por tudo o que acontece. (…) Em algum momento você tem que aceitar o fato de que parte do que está acontecendo é fruto de questões internas, não externas.
Valor: Muitos já consideram a bolsa brasileira barata no momento. Qual o melhor critério para analisar se é uma boa hora para comprar ações?
Damodaran: Um critério é olhar qual o retorno esperado que você pode obter investindo no mercado. Eu francamente não vejo o mercado brasileiro particularmente barato. Acho que pode estar barato em relação a dois anos atrás, mas não a seis anos. Acho que os mercados emergentes de forma geral estão devolvendo uma parte dos ganhos. Olhando os últimos cinco anos, os mercados emergentes passaram por uma temporada extraordinária. Estava se precificando ações em mercados emergentes para entregar praticamente os mesmos resultados que haviam sido obtidos nos mercados desenvolvidos. O que investidores estavam dizendo ao mundo era que o Brasil era igual à Alemanha. Não precisavam tratá-lo de forma diferente. Era onde estávamos ao fim de 2012. Mas acho que vimos em 2013 e 2014 os investidores voltando atrás e dizendo que os mercados emergentes estão menos arriscados que antes, mas que ainda há mais riscos em mercados emergentes que em mercados desenvolvidos. Vejo os últimos 12 a 18 meses mais como uma correção parcial de uma reação exagerada nos cinco anos anteriores. O que vejo nos mercados emergentes é que são sempre cinco passos para frente e dois passos para trás. Tivemos cinco passos para frente entre 2009 e 2012 e agora voltamos dois. E isso não faz o mercado barato ou caro. Isso apenas recalibra o mercado para o que é provavelmente mais razoável.
Valor: No Brasil, há setores indicando maiores oportunidades de investimento?
Damodaran: Eu investi em Vale e Petrobras no meio do ano passado, e fiz porque acredito na tese de que a Vale, por exemplo, não é bem uma empresa brasileira. É uma companhia global de commodities que por acaso está baseada no Brasil. Não há nenhuma razão para que Vale e Rio tinto sejam tratadas de forma diferente. Elas são companhias globais e uma está na Austrália e outra no Brasil. Quando vi o “sell-off” [venda generalizada] de Brasil e Vale, pensei: não tem sentido. É verdade que o governo brasileiro tem uma “golden share” da Vale, tem um papel para desempenhar nela, mas para mim é uma empresa global que está por acaso no Brasil. E há mais companhias como a Vale, caso da Embraer, que são globais, de primeira classe e que, por acaso, são brasileiras. E quando eu vejo o sell-off de Brasil, essas são as companhias que vou comprar primeiramente para o meu portfólio.
Valor: E em relação à Petrobras?
Damodaran: A Petrobras é um pouco mais complicada, porque ainda que seja uma companhia global de petróleo, suas reservas são predominantemente brasileiras. O petróleo é a commodity mais sujeita à questão política. (…) Esse é o principal problema que a Petrobras enfrenta e que a Vale nem tanto.
Valor: Mas o senhor avalia que ainda é um bom investimento para se olhar?
Damodaran: Eu tenho Petrobras no meu portfólio. Acho que é um investimento em uma empresa sólida de petróleo no longo prazo, que essas reservas serão eventualmente exploradas. Acho que eventualmente você vai ver um monte de petróleo saindo do solo, mas que vai levar um tempo até que o resto do mercado perceba isso. (…) No curto prazo deve haver mais más que boas notícias, mas enquanto eu for investidor estou disposto a comprar e manter.
Valor: Além de Petrobras e Vale, o senhor comprou outras ações brasileiras?
Damodaran: Eu tenho Embraer e Ambev em meu portfólio há quase uma década. São investimentos de longo prazo que fiz quando Lula estava concorrendo nas eleições. Elas foram muito bem, ficaram no meu portfólio. Essa é a exposição regional que posso ter na carteira. Compro quatro ou cinco ações de um mercado específico.
Valor: Os investidores pessoa física ainda representam muito pouco da bolsa do Brasil e têm, inclusive, saído do mercado. Como mudar essa realidade?
Damodaran: Acredito que investidores individuais não veem o mercado como justo. Eles sentem que recebem menos informações que investidores profissionais. Se você for acionista de uma empresa brasileira, apesar de as mudanças que aconteceram nos últimos anos terem melhorado a governança corporativa, a realidade é que você não tem nenhuma ou pouca informação sobre como as companhias são dirigidas. As empresas brasileiras querem seu dinheiro, mas não querem sua influência. Eles querem seu capital, mas não querem ouvir o que você tem a dizer sobre onde o capital vai ser investido. Muitas companhias brasileiras ainda são controladas por sete ou oito grandes grupos de investidores que essencialmente contratam os diretores. Você olha para Vale. Eu tenho a noção que tenho influência zero em como a Vale é dirigida. Zero, nenhuma. Eu sei disso. E estou de acordo, mas isso também me irrita, porque estou investindo meu dinheiro na Vale e não vejo por que não posso dizer como a empresa deve ser dirigida. Acredito que isso é verdade para muitas companhias brasileiras e isso está mudando, ainda que muito lentamente, mas acho que o mercado precisa ser visto como justo. Investidores precisam sentir que recebem informação ao mesmo tempo que todo mundo e a governança deve melhorar.
Valor: Dentre os investidores mais conhecidos no mundo, qual adota a melhor estratégia, em sua visão?
Damodaran: Acho que essa questão é quase impossível de responder. A melhor estratégia é a que melhor se adequa à sua filosofia. A estratégia de Warren Buffett pode ser a melhor para como ele vê o mundo, que é mais para negócios maduros. Para mim, o teste de um investidor não é se sua estratégia é a melhor, mas se ela se ajusta ao que ele diz ser sua filosofia de investimento. (…) A realidade é que 99% dos gestores de portfólio não têm filosofia própria. Fazem o que todo mundo está fazendo, eles buscam retornos, o que significa que compram ações que subiram muito no ano anterior, porque todo mundo está fazendo dinheiro. É como eu descrevo: se você não sustenta nada, você se deixa levar por qualquer coisa.
© 2000 – 2014. Todos os direitos reservados ao Valor Econômico S.A. . Verifique nossos Termos de Uso em http://www.valor.com.br/termos-de-uso. Este material não pode ser publicado, reescrito, redistribuído ou transmitido por broadcast sem autorização do Valor Econômico.