Por Luciana Seabra e Beatriz Cutait | De São Paulo – 28/11/2013 às 00h00.
Ganho real de 6,41% ao ano em um título público com vencimento em 2050. A taxa, alcançada na última segunda-feira pela NTN-B, não se via desde maio de 2010. Dificilmente alguém imaginaria tal fartura de retorno no começo deste ano, quando o juro para o mesmo papel era bem mais modesto, de 3,93%. Oportunidade óbvia? Os gestores preferem ver o quadro com mais cautela. Difícil ignorar os prêmios, dizem, mas é melhor não ir com muita sede ao pote. Diante da incerteza, os títulos com vencimento próximo são os preferidos.
Por trás do prêmio mais gordo, há o aumento do risco. As dúvidas sobre os juros futuros, fomentadas no primeiro semestre pela incerteza sobre o início e a velocidade da retirada dos estímulos à economia americana, ganharam recentemente um reforço doméstico: a preocupação com a situação fiscal brasileira.
Os administradores de carteiras preferem comprar com parcimônia os títulos com vencimento distante, mais sujeitos à volatilidade, enquanto apostam nos papéis com prazos menores. Nesse caso, as taxas também avançaram bem. No Tesouro Direto, sistema de venda de títulos à pessoa física pela internet, a NTN-B com vencimento em 2020, uma das preferidas dos gestores, rende 6,14% mais a variação da inflação. No começo do ano, o papel pagava 3,15%.
“Estamos em um movimento do qual ninguém sabe exatamente a dimensão”, diz Carlos Eduardo Rocha, o Duda, sócio responsável pela gestora do Brasil Plural. “A questão fiscal é um ponto nevral que está voltando”, afirma. Para ele, o país passará pela necessidade de um ajuste fiscal que só se dará após a eleição, ou seja, em 2015. Enquanto isso não estiver claro, completa, será mantido o estresse no mercado de juros, o que traz a promessa de muita volatilidade, principalmente para os títulos com vencimentos distantes.
O sócio da Brasil Plural prefere os títulos com vencimento próximo, cujos prêmios considera mais fáceis de mensurar. Para ele, o ciclo de alta da Selic vai até 10,5%, enquanto a curva de juros, que reflete a expectativa do mercado para a taxa, embute movimento maior, com a taxa chegando a 11,5%.
O risco para quem compra o título hoje é que a taxa suba ainda mais. Se isso acontecer, o papel nas mãos do investidor perde valor. Se precisar vender antes do vencimento, o aplicador vai sentir o prejuízo. Uma NTN-B com vencimento em 2050 comprada no começo deste ano, por exemplo, hoje vale 24,4% menos. Para quem compra agora e carrega até o vencimento, a taxa está garantida. O risco nesse caso é o de se arrepender mais à frente, ao ver a taxa mais alta, por não ter esperado um pouco mais para fazer o investimento.
“O mercado já levava em consideração o cenário externo mais desafiador no tocante ao Fed [Federal Reserve, o banco central americano], mas os desdobramentos locais do resultado fiscal de setembro desencadearam uma onda de venda nos papéis, adicionando prêmios de risco”, diz Fausto Silva Filho, gestor de renda fixa da XP Gestão. O governo divulgou em outubro um déficit do setor público de R$ 9,04 bilhões em setembro, o pior resultado para o mês desde 2001.
Os prêmios são atraentes, diz Silva, mas como o nível de incerteza é muito grande, melhor monitorar a evolução de perto. “Há oportunidades de alocação sim, mas nossa preferência é tentar entender oportunidades na parte curta da curva de juros e fazer alocações pontuais na longa.”
Para o gestor da XP, os títulos com vencimento em 2015, por exemplo, atraem pela possibilidade de prever os próximos passos da política monetária. “O Banco Central tem buscado reconquistar a autonomia, mas dificilmente vai dar um choque de juros no ano eleitoral”, diz Silva. Ele considera ainda que o prêmio para investir em uma NTN-B 2050 nem é tão maior do que o do papel que vence em 2020. A diferença ontem era de apenas 0,35 ponto percentual, para 30 anos adicionais de prazo.
O analista da Brasif Gestão de Recursos, André Santoro, faz coro à preocupação com o longo prazo. “Não dá para ter esse risco de duration de Brasil”, afirma. Em meio à questão mais latente de deterioração fiscal no país e de volatilidade do câmbio, Santoro ressalta a maior dificuldade de se operar no mercado de juros e, portanto, avalia que o melhor para a pessoa física é comprar NTN-Bs com prazos próximos de 2020 e carregar os títulos até seu vencimento. “Como poupança, esse investimento é ótimo”, ressalta o gestor de renda fixa da Brasif, Henrique de La Rocque.
A escolha de títulos com vencimento no curto prazo também foi apontada pelo diretor de gestão da Bozano Investimentos, Regis Abreu. A preferência recai novamente sobre os papéis indexados à inflação, especialmente o com prazo de 2020.
Em artigo aos investidores deste mês, o administrador de portfólios da Pimco, Rahul Seksaria, apontou as NTN-Bs entre os ativos indexados à inflação preferidos da gestora americana. Segundo o texto, a Pimco investe atualmente em títulos indexados à inflação emitidos por diversos países com taxas prefixadas entre -0,5% e 6% para vencimentos em dez anos, sendo que é dos brasileiros a maior taxa real.
O avanço dos prêmios também pode ser observado nos títulos prefixados. Ontem era possível comprar por meio do Tesouro Direto uma LTN com vencimento em 2017 com taxa de 12,31% ao ano. Em janeiro, o mesmo papel disponível no site rendia 8,66%. A ressalva nesse caso é a falta de proteção contra a inflação. “Achamos que o alívio nas leituras mensais do IPCA vão ficar para trás”, diz Fausto Silva, da XP. Na última segunda-feira, o boletim Focus, do Banco Central (BC), ajustou levemente para cima a mediana das estimativas para a inflação ao fim de 2014, agora em 5,92%.
O gestor de investimentos da Lecca, Carlos Haber, diz acreditar que, diante do ciclo de aperto monetário, que tende a continuar em 2014, o momento também é oportuno para o investidor olhar para LFTs, títulos pós-fixados cuja rentabilidade acompanha a variação da taxa Selic. O foco, segundo ele, deve estar mais no curto e médio prazo. A mediana do Focus para a Selic ao fim de 2014 está em 10,5%.
O economista da gestora Saga Capital, Gustavo Mendonça, lembra que a seleção de títulos precisa levar em consideração os objetivos do investidor. Para aqueles que pretendem carregar os papéis de longo prazo até o vencimento, ele ressalta que as taxas de juros reais próximas de 6% são de fato interessantes quando comparadas aos rendimentos de outros ativos, mas chama atenção para os riscos implícitos.
“O investidor que está começando a aplicar em renda fixa precisa ter noção que uma mudança de política monetária nos Estados Unidos pode causar perturbações bastante significativas nesse mercado de juros no mundo inteiro”, diz Mendonça, referindo-se a possíveis marcações a mercado que afetariam a rentabilidade de investidores de olho apenas no curto prazo. Na cena doméstica, ele também assinala que as atenções do mercado estão voltadas ao monitoramento da parte fiscal.
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