Por Tony Volpon – 31/10/2013 às 05h00
Não tem sido fácil a vida do Banco Central. Nos últimos anos a instituição teve que enfrentar um ambiente externo bastante conturbado, com crises na Europa, ameaças de calote nos EUA alternando com possíveis mudanças em sua política monetária, e enfraquecimento da economia chinesa. No mercado de câmbio o ambiente foi do excesso de liquidez da “guerra cambial” a uma revoada dos investidores e a necessidade de prometer injetar US$ 100 bilhões de swaps cambiais. Internamente as coisas não têm sido mais fáceis. Depois de um início de governo onde se acreditava que o Brasil poderia continuar a crescer de forma sustentável a taxas de 4 ou 5% ao ano, vemos uma economia crescendo somente a 2% ao ano, colocando grande pressão política sobre a instituição para “fazer alguma coisa” pelo crescimento.
Infelizmente durante este período a credibilidade do Banco Central junto ao mercado tem sofrido bastante. Não cabe aqui discutir se isso tem justificação, estamos simplesmente notando que isso é verdade.
As evidencias são muitas. Por exemplo, não há na pesquisa Focus, que mede expectativas até 2017, horizonte de convergência da inflação para o centro da meta. Algo semelhante se vê no “mercado de inflação”, representado por títulos indexados ao IPCA, as NTN-Bs. Em um sistema de metas de inflação, levando em conta que os efeitos de choques exógenos se dissipam com o tempo, deveríamos sempre ver as projeções da inflação convergindo para o centro da meta em algum momento no futuro.
Não há mais o que ganhar com a ‘flexibilização’ contínua do sistema atual, que chegou a um ponto de exaustão
Há maneiras mais sutis para medir essa perda de confiança. Normalmente devemos observar certo nível de correlação entre variáveis. Por exemplo, devemos observar um nível de correlação relativamente alta entre expectativas de inflação de curto prazo, vamos dizer até 12 meses, e o nível de inflação corrente. Mas recentemente essa relação tem sofrido uma “quebra”: apesar da inflação ter caído de 6,70% para 5,86% entre junho e setembro, no mesmo período as expectativas não caíram, mas subirão, de 5,65% para 6,21%.
Da mesma maneira há uma “quebra” na relação entre taxas no mercado de juros e no nível da inflação. Como se sabe, há muita sazonalidade na inflação, que sobe bastante no final e início do ano. Isso fica bastante evidente se calculamos a variação trimestral da inflação. Se olharmos para as taxas de juros no mercado futuro na mesma base, podemos ver uma forte correlação de 62%, usando o contrato DI de janeiro de 2017 em uma amostra que vai de janeiro de 2010 até dezembro de 2012. Mas isso acaba em 2013: apesar da variação trimestral do IPCA ter chegado ao menor nível desde 2010, de 2,42%, vemos a variação trimestral da taxas de juros subindo aos maiores níveis desde 2010. E isso apesar da queda do dólar e do final do pânico mundial com a ameaça de mudanças na política do Fed.
O que torna isso ainda mais estranho é o fato de que o Banco Central ainda está implementando um ciclo de aperto monetário, e tem sinalizado que provavelmente está pronto para romper o politicamente sensível nível de 10% na taxa Selic. Por que então tanta descrença?
Acredito que existem duas razões principais. Primeiro, o mercado entende que uma parte significativa da melhora recente da inflação se deve à repressão dos preços administrados. Só estamos trocando menos inflação hoje por mais inflação amanhã. Sendo assim, não há porque os juros ou as expectativas de inflação futura caírem. As idas e vindas sobre o preço da gasolina é somente uma ponta de lança de um problema maior que agora se tornou estrutural e que vai dificultar a vida do Banco Central por muito tempo.
A segunda razão é a percepção de que, apesar da disposição atual de combater a inflação, o Banco Central não tem aval político para dominar a inflação em um ano eleitoral. De fato, se olharmos para a estrutura a termo da curva de juros, há um “pico” logo depois da eleição, o que indica que o mercado está precificando uma continuação do atual processo de alta da taxa Selic para depois do pleito, um ajuste “em dois tempos”.
Mas é aqui, nesse momento de grande descrença, que o Banco Central pode virar a mesa. Primeiro, as “condições objetivas” devem ajudar: não há choque exógeno relevante no sistema; o dólar está sobre controle; e a economia continua a crescer de forma moderada. Em suma, um dos ambientes mais propícios para domar as expectativas dos últimos anos.
Mas isso não será suficiente. Para potencializar esta oportunidade, o Banco Central precisa adotar um compromisso mais exato com a convergência da inflação ao centro da meta. Já que uma convergência “tempestiva” para o centro da meta provavelmente causaria perda inaceitável de crescimento econômico, o Banco Central ainda assim deveria deixar claro que está disposto a ajustar as condições monetárias, frente a qualquer choque, para atingir o centro da meta de inflação até uma determinada data. Tais “choques” devem incluir incertezas criadas pela repressão dos preços administrados. Pode, assim, conciliar a vontade de executar um ajuste gradual com a vontade de reconquistar o centro da meta como ponto de referência para as expectativas dos agentes econômicos. Mas uma data para a convergência e uma estratégia de execução deve ser definida.
Se não há de fato uma vontade de ter o centro da meta como ponto de referência, deveríamos iniciar um debate imediato para mudar o sistema. Se, como alegam muitos críticos, o sistema de metas está “ultrapassado” em um mundo pós-crise financeira, que as diretrizes dadas ao Banco Central pelo Conselho Monetário Nacional incorporem este entendimento. Se, como parecem argumentar alguns, o importante é que a inflação esteja “sob controle”, o que não implica estar perto do centro da meta, que a isso seja dado uma definição operacional. O que nos parece verdade, olhando para as relações e fatos analisados acima, é que não há mais o que ganhar com a “flexibilização” contínua do sistema atual, que chegou a um ponto de exaustão.
Tony Volpon é diretor executivo e chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da Nomura Securities International.
Infelizmente durante este período a credibilidade do Banco Central junto ao mercado tem sofrido bastante. Não cabe aqui discutir se isso tem justificação, estamos simplesmente notando que isso é verdade.
As evidencias são muitas. Por exemplo, não há na pesquisa Focus, que mede expectativas até 2017, horizonte de convergência da inflação para o centro da meta. Algo semelhante se vê no “mercado de inflação”, representado por títulos indexados ao IPCA, as NTN-Bs. Em um sistema de metas de inflação, levando em conta que os efeitos de choques exógenos se dissipam com o tempo, deveríamos sempre ver as projeções da inflação convergindo para o centro da meta em algum momento no futuro.
Não há mais o que ganhar com a ‘flexibilização’ contínua do sistema atual, que chegou a um ponto de exaustão
Há maneiras mais sutis para medir essa perda de confiança. Normalmente devemos observar certo nível de correlação entre variáveis. Por exemplo, devemos observar um nível de correlação relativamente alta entre expectativas de inflação de curto prazo, vamos dizer até 12 meses, e o nível de inflação corrente. Mas recentemente essa relação tem sofrido uma “quebra”: apesar da inflação ter caído de 6,70% para 5,86% entre junho e setembro, no mesmo período as expectativas não caíram, mas subirão, de 5,65% para 6,21%.
Da mesma maneira há uma “quebra” na relação entre taxas no mercado de juros e no nível da inflação. Como se sabe, há muita sazonalidade na inflação, que sobe bastante no final e início do ano. Isso fica bastante evidente se calculamos a variação trimestral da inflação. Se olharmos para as taxas de juros no mercado futuro na mesma base, podemos ver uma forte correlação de 62%, usando o contrato DI de janeiro de 2017 em uma amostra que vai de janeiro de 2010 até dezembro de 2012. Mas isso acaba em 2013: apesar da variação trimestral do IPCA ter chegado ao menor nível desde 2010, de 2,42%, vemos a variação trimestral da taxas de juros subindo aos maiores níveis desde 2010. E isso apesar da queda do dólar e do final do pânico mundial com a ameaça de mudanças na política do Fed.
O que torna isso ainda mais estranho é o fato de que o Banco Central ainda está implementando um ciclo de aperto monetário, e tem sinalizado que provavelmente está pronto para romper o politicamente sensível nível de 10% na taxa Selic. Por que então tanta descrença?
Acredito que existem duas razões principais. Primeiro, o mercado entende que uma parte significativa da melhora recente da inflação se deve à repressão dos preços administrados. Só estamos trocando menos inflação hoje por mais inflação amanhã. Sendo assim, não há porque os juros ou as expectativas de inflação futura caírem. As idas e vindas sobre o preço da gasolina é somente uma ponta de lança de um problema maior que agora se tornou estrutural e que vai dificultar a vida do Banco Central por muito tempo.
A segunda razão é a percepção de que, apesar da disposição atual de combater a inflação, o Banco Central não tem aval político para dominar a inflação em um ano eleitoral. De fato, se olharmos para a estrutura a termo da curva de juros, há um “pico” logo depois da eleição, o que indica que o mercado está precificando uma continuação do atual processo de alta da taxa Selic para depois do pleito, um ajuste “em dois tempos”.
Mas é aqui, nesse momento de grande descrença, que o Banco Central pode virar a mesa. Primeiro, as “condições objetivas” devem ajudar: não há choque exógeno relevante no sistema; o dólar está sobre controle; e a economia continua a crescer de forma moderada. Em suma, um dos ambientes mais propícios para domar as expectativas dos últimos anos.
Mas isso não será suficiente. Para potencializar esta oportunidade, o Banco Central precisa adotar um compromisso mais exato com a convergência da inflação ao centro da meta. Já que uma convergência “tempestiva” para o centro da meta provavelmente causaria perda inaceitável de crescimento econômico, o Banco Central ainda assim deveria deixar claro que está disposto a ajustar as condições monetárias, frente a qualquer choque, para atingir o centro da meta de inflação até uma determinada data. Tais “choques” devem incluir incertezas criadas pela repressão dos preços administrados. Pode, assim, conciliar a vontade de executar um ajuste gradual com a vontade de reconquistar o centro da meta como ponto de referência para as expectativas dos agentes econômicos. Mas uma data para a convergência e uma estratégia de execução deve ser definida.
Se não há de fato uma vontade de ter o centro da meta como ponto de referência, deveríamos iniciar um debate imediato para mudar o sistema. Se, como alegam muitos críticos, o sistema de metas está “ultrapassado” em um mundo pós-crise financeira, que as diretrizes dadas ao Banco Central pelo Conselho Monetário Nacional incorporem este entendimento. Se, como parecem argumentar alguns, o importante é que a inflação esteja “sob controle”, o que não implica estar perto do centro da meta, que a isso seja dado uma definição operacional. O que nos parece verdade, olhando para as relações e fatos analisados acima, é que não há mais o que ganhar com a “flexibilização” contínua do sistema atual, que chegou a um ponto de exaustão.
Tony Volpon é diretor executivo e chefe de Pesquisas para Mercados Emergentes das Américas da Nomura Securities International.
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